Mar Awa III: um programa eclesial sinodal ¨¦ frut¨ªfero se levar os fi¨¦is a caminhar na f¨¦ dos Ap¨®stolos, mantida pela Tradi??o
Por Gianni Valente
No dia 19 de novembro do corrente, o Patriarca da Igreja Assíria do Oriente, Mar Awa III, fez uma visita fraterna ao Papa Francisco, no Vaticano.
Durante a sua primeira viagem a Roma como Patriarca, Mar Awa III proferiu uma conferência na Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino, o Angelicum¡± na qual abordou o tema da "teologia da sinodalidade na Igreja do Oriente", no âmbito do Simpósio Ecumênico Internacional Listening to the East¡±("Ouvir o Oriente"), promovido pela Universidade e a Fundação Pro Oriente. O objetivo da iniciativa era contar com depoimentos, aprofundamentos e testemunhos sobre a ¡°sinodalidade na vida e na missão das Igrejas Ortodoxas e das antigas Igrejas Orientais¡±.
Em uma longa entrevista, concedida à Agência de notícias Fides, o Patriarca da Igreja Assíria do Oriente, Mar Awa III, ofereceu elementos sugestivos e úteis, sob a perspectiva oriental, sobre o processo sinodal iniciado na Igreja Católica. De fato, disse: ¡°Um programa eclesial sinodal produz frutos se levar os fiéis a caminhar na fé dos Apóstolos, mantida pela Tradição. Por isso, a dinâmica sinodal não pode ser utilizada para causar fraturas, entre os membros da Igreja, sobre questões de fé ou moral".
Na entrevista, o Patriarca assírio também criticou as campanhas que "demonizam a Igreja Ortodoxa Russa e seu Patriarca Kirill¡±. Porém, deu respostas inesperadas e esclarecedoras sobre outros aspectos: a condição dos cristãos no Oriente Médio, a busca de uma data comum para a celebração da Páscoa, o caminho para a plena comunhão entre a Igreja Assíria do Oriente e a Igreja de Roma; fez ainda um aceno sobre o "segredo" do grande progresso missionário da antiga Igreja do Oriente, que, nos primeiros séculos do cristianismo, chegou a levar o Evangelho até à China, Mongólia e Península Arábica.
No processo sinodal, iniciado na Igreja Católica, alguns sugerem olhar para as Igrejas do Oriente para aprender o que significa ¡°sinodalidade¡±. Segundo a sua experiência, qual o critério que poderia tornar mais frutífero, em âmbito eclesial, o exercício da sinodalidade?
¡°A dinâmica sinodal da Igreja consiste em caminhar juntos na fé da Tradição Apostólica. A modalidade sinodal serve para salvaguardar e confirmar a unidade da fé, neste caminho, tornando-o mais acessível a todos e aliviando certos fardos desnecessários e práticas eclesiais que só causam entraves. Portanto, o critério para avaliar a validade e a fecundidade de um processo sinodal só será possível se ajudar os fiéis a caminhar na fé dos Apóstolos, mantida pela Tradição, no tempo presente e na condição histórica atual. O exercício da sinodalidade, como verdadeiro caminho de todos os batizados e de todos os bispos, sucessores dos Apóstolos, nunca deverá ser utilizado para afastar-se da Tradição Apostólica, a fé transmitida pelos Apóstolos, que une a Igreja Católica às antigas Igrejas do Oriente. Compartilhamos o mesmo ¡°Depositum fidei¡± recebido dos Apóstolos¡±.
O caminho sinodal, em muitos aspectos, é apresentado como um processo dialético entre as diferentes posições, que buscam consenso para manter ou mudar a posição da Igreja sobre questões eclesiais e doutrinais sensíveis. Tais dinâmicas se parecem com as ¡°políticas e parlamentares".
¡°Alguém me falou a este respeito. Podemos, talvez, correr este risco se passarmos de uma gestão centralizada - onde tudo está nas mãos de uma só pessoa - a um modo sinodal, que impulsiona a dinâmica eclesial. No entanto, o modelo sinodal das Igrejas do Oriente não é interessante, pois se parece muito com os sistemas modernos de gerenciamento do poder, porque é mais congenial expressar consenso sobre o ¡°Depositum fidei¡± e mantê-lo intacto. Uma autêntica dinâmica sinodal surge, precisamente, do fato de os bispos e todos os batizados caminharem juntos na mesma fé, convergindo para a busca conjunta das formas e práticas mais adequadas para dar testemunho da mesma fé, no tempo presente. Imagino que a maioria dos Bispos católicos compartilha o desejo de manter a doutrina tradicional, também sobre questões matrimoniais. As dinâmicas sinodais são expressão do caminho de toda a Igreja nas pegadas da fé dos Apóstolos; desta forma, não podem ser utilizadas para causar fraturas entre os membros da Igreja, em questões de fé ou de moral. Pelo contrário, o exercício da sinodalidade serve também para manter a unidade na caminhada de diferentes sensibilidades, inclusive as que desejam se adaptar à mentalidade do mundo de hoje¡±.
Muitos cristãos estão deixando o Oriente Médio. No entanto, o Patriarcado Assírio, voltou à Mesopotâmia, há poucos anos, após oito décadas de "exílio": primeiro, em Chipre e, depois, nos EUA. Agora o senhor está residindo em Erbil, no Curdistão iraquiano. Em sua opinião, o que é preciso fazer, no Iraque, para salvar os cristãos no Oriente Médio?
¡°É preciso maior esforço da parte das autoridades políticas e militares, para que a segurança seja mantida e para que o outro "Estado Islâmico" não volte mais ou entre alguns anos, para semear espalhar temor e terror entre os cristãos. Devem ser dadas também oportunidades de emprego, para que haja um mínimo de segurança econômica. A situação, agora, é difícil para todos, ainda mais para os grupos sociais mais frágeis e minoritários. A corrupção generalizada no país só piora a convivência. Porém, em certos lugares, há sinais de esperança, como no Curdistão iraquiano¡±.
O Patriarca latino emérito de Jerusalém, Michel Sabbah, declarou que o futuro da presença dos cristãos no Oriente Médio não é uma questão de números, mas de fé...
¡°Se não há vínculo de afeto e gratidão com a terra onde se nasce e onde se recebeu o dom da fé, então é normal, por razões legítimas, que muitas pessoas prefiram partir. Nem tudo pode ser justificado por causa da discriminação e dos maus-tratos. Os cristãos só podem permanecer se o vínculo de amor com a sua terra e com a sua rica história de fé forem reavivados, como testemunham os antigos mosteiros. A este respeito, as autoridades civis também podem fazer alguma coisa. Sugeri ao Primeiro Ministro da Região Autônoma do Curdistão, Masrour Barzani, que sejam promovidos o turismo religioso, as peregrinações aos antigos mosteiros e aos lugares sagrados das nossas Igrejas. Somente assim, nosso povo emigrante e seus descendentes da diáspora poderão retornar às suas antigas aldeias de origem e reviver, com suas igrejas, os laços com as raízes de seus antepassados¡±.
O diálogo do Papa Francisco com os representantes influentes do Islamismo, centrado na redescoberta da fraternidade universal e inspirado no Documento de Abu Dhabi, pode influenciar na situação dos cristãos no Oriente Médio?
¡°Talvez, alguns possam pensar que o diálogo sobre fraternidade é expressão de uma perspectiva idealista, com poucas chances de gerar resultados concretos. Falei sobre isto também em meu encontro com o Papa Francisco. Acho que esses encontros e diálogos são úteis, embora permaneçam como propósitos e declarações. No entanto, é prazeroso ver que o Papa e outros chefes de Igrejas se preocupam com a presença dos cristãos no Oriente Médio. É por isso, também, que mantêm relações fraternas e diálogos com líderes muçulmanos. Os cidadãos muçulmanos, ao ver seus líderes dialogar com altos representantes das Igrejas, podem superar preconceitos e sentimentos hostis com os cristãos. Enfim, esses problemas não se resolvem por magia, mas podem contribuir¡±.
Entre a Igreja de Roma e a Igreja Assíria do Oriente, nunca houve uma ruptura direta sobre questões dogmáticas e teológicas. Vários resultados importantes foram possíveis graças ao diálogo teológico entre ambas as Igrejas. No discurso que o Papa Francisco lhe dirigiu, expressou o desejo de que a Igreja Assíria se tornasse a primeira entre as antigas Igrejas do Oriente, com as quais a Igreja de Roma poderia chegar à plena comunhão sacramental...
¡°Não houve nenhum anátema entre a antiga Igreja Assíria do Oriente e a Igreja de Roma. A separação ocorreu no Concílio de Éfeso, no ano 431, mas o ¡°Depositum fidei¡±, que mantínhamos antes de Éfeso continua sendo compartilhado e devemos mantê-lo juntos sempre. Em 2025, celebraremos os 1700 anos do Concílio de Niceia. Por isso, já se fala sobre a possibilidade de um encontro conjunto para celebrar aquele Concílio: a Igreja de Roma, as Igrejas Ortodoxas, as antigas Igrejas do Oriente... Niceia nos une e pertence a todos. Em nossas diferentes liturgias, recitamos o ¡°Creio de Niceia¡±, embora ainda não estejamos em plena comunhão¡±.
Como está o caminho do diálogo ecumênico entre a Igreja de Roma e a Assíria, após a declaração cristológica fundamental comum assinada por João Paulo II e o Patriarca Mar Dinkha IV?
¡°Em 2017, assinamos um texto, no qual católicos e assírios reconhecem mutuamente a validade dos sacramentos celebrados e administrados na Igreja Católica e na Igreja Assíria do Oriente. Logo, podemos dizer que a segunda etapa do caminho do diálogo ecumênico se concluiu com sucesso. Agora, entramos numa terceira fase, que se refere à Constituição da Igreja. Naturalmente, nesta fase, incluiu-se também a questão da primazia do Bispo de Roma e a questão da comunhão e da primazia, em nível local e universal¡±.
No que consiste o consenso sobre a validade dos Sacramentos?
¡°Ainda não chegamos à plena e incondicionada possibilidade de receber os Sacramentos, administrados por sacerdotes e bispos da outra Igreja. Desde 2001, entrou em vigor um acordo, na época de João Paulo II e Mar Dinkha IV, que permitia, entre ambas as Igrejas, exercer uma ¡®hospitalidade sacramental especial¡¯, por motivos de necessidade pastoral. Neste acordo, ainda em vigor, as duas Igrejas reconhecem e concordam sobre a doutrina e a teologia sacramental. No entanto, a plena comunhão requer um caminho em longo prazo, que deve ser compartilhado por todas as outras Igrejas não Católicas: um caminho acompanhado por intensas orações e pelo próprio Espírito Santo¡±.
O cardeal Louis Raphael Sako, Patriarca da Igreja Caldeia ¨C uma Igreja que compartilha do mesmo patrimônio litúrgico e teológico da Igreja Assíria - propôs um caminho de reunificação entre ambas as Igrejas, ¡®herdeiras¡¯ da Igreja Antiga do Oriente...
¡°Com os caldeus, que são nossos irmãos, estamos sempre prontos a falar de unidade e reunificação em uma única Igreja do Oriente. Porém, rejeitamos todo tipo de ¡°uniatismo¡±, que esteve ao centro do Cisma de 1552. Acho que a proposta do Patriarca Sako, refere-se aos dois Patriarcas, o caldeu e o assírio: os dois deveriam se demitir de suas funções e os bispos assírios e caldeus poderiam eleger juntos outro Patriarca da Igreja do Oriente. Este, porém, deveria estar em comunhão hierárquica com o Papa. Este processo não me parece viável. O interessante mesmo seria voltar às raízes da Igreja Oriental, antes de 1552, para se conscientizar do significado da eclesiologia compartilhada, na época da separação¡±.
No encontro com o Papa Francisco, foi abordado a questão de encontrar uma data comum para celebrar a Santa Páscoa. O senhor acha que esta poderia ser, realmente, uma possibilidade?
¡°No Sínodo de 2019, dirigido pelo meu predecessor, Mar Gewargis III, decidimos aceitar a ideia de uma data comum, para a celebração da Páscoa, com as outras Igrejas. Que eu saiba, os coptas e ortodoxos sírios também concordam com esta possibilidade. A este respeito, o Papa Francisco é muito disponível. Ultimamente, Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, também expressou sua disponibilidade. Talvez, seria aconselhável, antes, chegar a um acordo, sobre uma data comum para a celebração da Páscoa, entre a Igreja Católica, a Igreja Assíria e as outras antigas Igrejas Orientais. Os Ortodoxos poderiam unir-se, gradualmente, se o consenso amadurecesse em cada uma das Igrejas Ortodoxas¡±.
Antes de vir a Roma visitar o Papa Francisco, o senhor manteve um encontro com o Patriarca Kirill de Moscou...
¡°Sim, na semana anterior à minha viagem, fui à Rússia, para encontrar nossa comunidade local. Na ocasião, também mantive um encontro com o Patriarca Kirill, em Moscou. Conversamos longamente sobre a situação atual dos cristãos no Oriente Médio. Ele me pediu também para transmitir suas sinceras saudações ao Papa Francisco, que o fiz com prazer¡±.
O Patriarca Kirill é atacado como cúmplice e quase corresponsável pela guerra na Ucrânia. O que o senhor pode nos dizer sobre isso e sobre as medidas tomadas contra ele e contra a Igreja Ortodoxa Russa?
¡°O Patriarca Kirill pareceu ser muito sincero. Em todo o caso, não é justo certa demonização da Igreja Russa ou do próprio Kirill. Ele é chefe de uma Igreja e não de um partido político. É compreensível a sua difícil situação, que deveria ser levada em conta. A decisão da União Europeia de impor sanções ¡°ad personam¡± contra ele também é inoportuna, pois abre em um grave precedente e contradiz todos os apelos para distinguir a esfera eclesial e política, a Igreja e o governo secular. Esta decisão poderia se alargar a outros líderes e expoentes de outras Igrejas, submetidos a avaliações negativas por parte de algum partido político¡±.
A guerra na Ucrânia é uma grande tragédia também para os cristãos. O senhor conversou sobre isso com Kirill?
¡°Eu expressei o desejo de se chegar um cessar-fogo, em breve tempo, e de se encontrar uma solução para pôr fim aos sofrimentos das pessoas inermes. Ucranianos e russos compartilham do mesmo batismo e bebem da mesma fonte espiritual. Achei injustificada a decisão de proibir os ortodoxos russos de participar de encontros ecumênicos, como aconteceu na Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que se realizou, entre agosto e setembro passados, em Karlsruhe, Alemanha. Deve-se sempre deixar as portas abertas para o diálogo. Então, segundo certos raciocínios, dever-se-ia, por coerência, proibir todos os capelães militares, que acompanham os soldados na guerra, tanto de um lado como do outro¡±.
A teologia e a espiritualidade da Igreja Assíria dão muita ênfase sobre a natureza humana de Cristo. Esta perspectiva espiritual não poderia ser adotada também no anúncio cristão, sobretudo neste período em que vivemos?
¡°Nos livros da teologia clássica está escrito que a Igreja Assíria dá uma forte ênfase sobre a humanidade de Cristo. Porém, antes de tudo, é preciso deixar claro que professamos a unidade da divindade e a humanidade na única pessoa de Cristo. Segundo as Escrituras e os vários Padres da Igreja, reconhecemos que contemplamos o mistério da divindade de Cristo através dos gestos concretos da sua humanidade. Isto faz parte da experiência diária dos cristãos quando rezam, vão à missa e recebem a Eucaristia¡±.
Ao proclamar o Evangelho com esta ênfase, a antiga Igreja Assíria do Oriente viveu uma das mais impressionantes aventuras missionárias da história. O que esta experiência dos primeiros séculos de cristianismo pode sugerir aos missionários de hoje?
¡°Em 1904, em Turfan, atual província chinesa de Xinjiang, foi encontrado um livro de orações, cujas fórmulas eram em siríaco e os títulos em língua local. São encontrados, ainda hoje, ruinas de igrejas e mosteiros, pertencentes àquele período de cristianismo, na atual Mongólia e em toda a Península Arábica. Os missionários da antiga Igreja do Oriente eram um verdadeiro "exército" da espiritualidade: eram, sobretudo, monges e monjas, que entravam em contextos moldados por outros pensamentos, culturas antigas e mentalidades religiosas. Eles conquistavam o coração das pessoas com gentileza e não com conquistas dinâmicas; ajudavam as populações locais a encontrar sinais gráficos para colocar por escrito seus idiomas e seu modo de falar. Assim, todas as exigências ou problemas concretos da vida diária tornavam-se oportunidade para fazer o bem, ser amigos e irmãos de todos¡±.
O 122º Patriarca da Igreja Assíria do Oriente, Mar Awa III, eleito no dia 8 de setembro de 2021, nasceu em Chicago, EUA, há 47 anos e completou sua formação em academias católicas. Logo, é um filho da diáspora assíria nos EUA. David Royel, nome no civil, foi ordenado diácono aos 17 anos de idade e, mais tarde, formou-se em Teologia Sagrada na Universidade Loyola de Chicago e na Saint Mary of the Lake. A seguir, obteve Licenciatura em Teologia Sagrada e Doutorado no Pontifício Instituto Oriental de Roma. David Royel foi ordenado bispo pelo então Patriarca, Mar Dinkha IV, em 2008, recebendo o nome de Awa (que significa ¡°pai¡± na língua assíria). Assim, tornou-se primeiro bispo da Igreja Assíria nascido nos Estados Unidos. Antes de sua eleição patriarcal, Mar Awa III, era dispo da diocese assíria da Califórnia (EUA) e secretário do Santo Sínodo.
*Agência Fides
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