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Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo Metropolitano de São Paulo Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo Metropolitano de São Paulo  

Cardeal Scherer: Quem ainda pensa em ser salvo?

Podemos perguntar-nos, se isso ainda faz sentido em nossos dias? Quem ainda espera “ser salvo� Salvo de quê, ou para quê? Estamos tão envolvidos por uma cultura de autossuficiência, que acabamos acreditando somente em nós mesmos e nas nossas possibilidades e capacidades, e nada além disso.

Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo Metropolitano de São Paulo 

A preparação para o Natal traz à nossa reflexão o tema da salvação, que é central para a nossa fé cristã. O 3º Domingo do Advento está marcado pela expectativa de celebrar “as alegrias da salvação†(Oração do dia). As palavras do profeta Isaías são um poema à alegria e esperança na salvação, que se aproxima para um povo marcado por várias desgraças: “alegre-se a terra desértica e intransitável (…), exulte de alegria e louvores (cf. Is 35,1-6.10). O Natal, de muitas maneiras, proclama e canta o nascimento de Jesus, nosso Salvador.

Podemos perguntar-nos, se isso ainda faz sentido em nossos dias? Quem ainda espera “ser salvoâ€? Salvo de quê, ou para quê? Estamos tão envolvidos por uma cultura de autossuficiência, que acabamos acreditando somente em nós mesmos e nas nossas possibilidades e capacidades, e nada além disso. Faz ainda sentido de falar em “salvação eterna†em nossos dias? Para quem vive mergulhado numa mentalidade materialista não faz nenhum sentido falar em salvação e esperar por uma salvação que vá além daquilo que o homem consegue assegurar para si mesmo neste mundo. Que pensam os cristãos sobre a salvação e o que esperam dela?

Entendemos a salvação em duas dimensões, inseparáveis: a salvação plena na vida eterna e a salvação já participada neste mundo. A salvação eterna é a participação plena da glória de Deus e a vida feliz, mediante o perdão e a misericórdia de Deus, com a superação de todos os males que atingem a condição humana neste mundo. Esta dimensão da salvação “escatológicaâ€, a realizar-se após a vida neste mundo, é promessa firme de Deus e nos faz viver na esperança da redenção. Ela é obra do amor misericordioso de Deus, que chama todos a participarem dela. Basta acolher o amor de Deus nesta vida e corresponder com ele sinceramente. A vida humana neste mundo é animada, em última análise, por essa esperança, mesmo quando não se sabe disso. Nosso coração anseia por vida plena, e não apenas por alguma experiência de vida neste mundo. Buscamos a participação no banquete da vida, e não apenas do “aperitivo†desse banquete.

Porém, quando falamos de salvação, não nos referimos apenas à salvação eterna: a fé cristã, segundo o ensinamento de Jesus e da Igreja, nos oferece as alegrias da salvação já na vida presente. Mesmo não sendo plena neste mundo, a salvação já é participada nesta vida mediante a fé e a esperança e a acolhida do amor de Deus. São Paulo ensinou que já “somos salvos na esperança†(cf. Rm 8,24). Por isso, podemos alegrar-nos desde agora pelo dom da salvação prometida e participada. Os cristãos são pessoas marcadas pela esperança da salvação e pela certeza das promessas de Deus. Por isso, mesmo em meio às experiências de finitude, fragilidade, dor e angústia desta vida, não desanimam e sempre erguem de novo a cabeça, sabendo que não estão abandonados a si mesmos e podem confiar no amor e nas promessas de Deus salvador.

A esperança da salvação eterna, porém, não nos leva a ficar de braços cruzados, a olhar para o céu: “por que ficais aqui parados, olhando para o céu†(cf. At 1,9-11). Desde os primeiros dias do cristianismo, os cristãos estão conscientes de sua missão e devem se dedicar a ela todos os dias. A esperança cristã da salvação eterna nos engaja profundamente no anúncio e testemunho do Evangelho do reino de Deus a todos, para que os sinais da salvação já se tornem realidade neste mundo e em todas as dimensões do convívio social. A vida neste mundo precisa ser levada bem a sério para ter participação nos bens da salvação. É por aí que se compreende que a pregação da Igreja não seja apenas para “salvar as almas para o céuâ€. Mesmo que esse seja o objetivo final, este passa pela realização fiel da missão recebida de Jesus Cristo. O cristão que acolheu os dons da salvação não fica indiferente diante dos sofrimentos e angústias do próximo, nem das injustiças e desordens na vida social. Tudo isso também precisa participar da graça da salvação.

João Batista, ainda não tendo a certeza de que Jesus era o Ungido de Deus esperado, enviou mensageiros para lhe perguntar: “és tu o que deve vir, ou devemos esperar ainda outro?â€. Jesus mandou relatar a João o que já estava acontecendo: “os cegos veem, os surdos ouvem, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados†(cf. Mt 11,2-6). Eram os sinais de que o “dia da salvaçãoâ€, prometido pelos profetas, já estava acontecendo. João Batista compreendeu e ficou feliz. 

O Natal é a “festa da salvaçãoâ€, que Deus já manifestou em Jesus para toda a humanidade. É o momento de acolher mais uma vez esse dom precioso na vida pessoal e social. A convivência social precisa ter parte na salvação. E nós, que cremos, somos anunciadores e testemunhas dessa boa notícia para o mundo.

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14 dezembro 2022, 14:06