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Beatificação de João Paulo I Beatificação de João Paulo I  

O Papa João Paulo I, um beato próximo dos brasileiros

Luciani foi um homem de Deus e da Igreja, isto é, muito fiel ao seu Magistério vivo em união com o Santo Padre, o Papa.

Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Na manhã romana deste domingo, dia 4 de setembro de 2022 ocorreu a beatificação (passo anterior à canonização) do Servo de Deus Papa João Paulo I, conhecido, no mundo todo, apesar de ter permanecido apenas 33 dias na cátedra de Pedro, e ficou conhecido como “o Papa sorriso”. Destacou-se pela sua humildade, por seus discursos provocadores, no bom sentido do termo, e pela fidelidade ao Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-65) do qual participou como bispo de Vittorio Veneto.

Nascido, em 17 de outubro de 1912, em Forno di Canale (hoje Canale d’Agordo), na província de Belluno, no norte da Itália, o futuro Papa recebeu o nome de Albino Luciani. De família simples, seu pai – Giovanni – era um operário socialista que, ao autorizar o filho a entrar para o seminário a fim de se tornar padre, lhe escreveu: “Espero que quando você for padre, fique ao lado dos pobres, porque Cristo estava ao lado deles”. O menino guardou essa recomendação paterna e procurou vivê-la com ardor. Tanto que ao ser eleito bispo, em 1958, escolheu para o brasão episcopal a palavra “Humilitas” (Humildade).

Voltando um pouco no tempo, devemos lembrar que Albino Luciani, após os estudos de Filosofia e Teologia, foi ordenado sacerdote, em 1935, com dispensa da Santa Sé, pois tinha apenas 23 anos. Enquanto padre procurou atender bem o povo que lhe fora confiado, passando, inclusive, horas a fio no confessionário. Ajudou, assim, muitas pessoas na volta para Deus por meio do sacramento da Penitência. Dedicou-se, com afinco, aos pobres que o procuravam ou que ele mesmo encontrava pelas ruas da cidade.

Luciani foi um homem de Deus e da Igreja, isto é, muito fiel ao seu Magistério vivo em união com o Santo Padre, o Papa. Com efeito, no tempo em que se discutia a pílula anticoncepcional como um dos meios de contenção de natalidades, ele chegou, segundo matéria do Pope, de 13/10/2021, on-line, a tomar posição favorável. Vendo, entretanto, que o Papa São Paulo VI, por meio da encíclica “Humanae vitae”, publicada em 1968, considerou o fármaco moralmente ilícito, abandou o seu discurso e aderiu ao ensinamento pontifício. Mas não assentiu apenas por palavras. Ao contrário, passou a divulgar, com destemor e amplitude, o documento papal. Ora, o Santo Padre reconheceu, então, a sua fidelidade à Sé de Pedro, naquele conturbado tempo, e o nomeou, em 1969, arcebispo patriarca de Veneza e, em 1973, o criou cardeal da santa Igreja.

Por que terá Luciani agido assim ante a “Humanae vitae”, maldosamente chamada por órgãos de imprensa, de “encíclica da pílula”? – Porque trata ela de uma questão moral muito séria, portanto área do autêntico magistério da Igreja a exigir a adesão de todo verdadeiro católico. Sim, depois de citar problemas contemporâneos, já no número 4 do texto magisterial, São Paulo VI ensina o que segue: “Tais problemas exigiam do Magistério da Igreja uma reflexão nova e aprofundada sobre os princípios da doutrina moral do matrimônio: doutrina fundada sobre a lei natural, iluminada e enriquecida pela Revelação divina. Nenhum fiel quererá negar que compete ao Magistério da Igreja interpretar também a lei moral natural. É incontestável, na verdade, como declararam muitas vezes os nossos predecessores, que Jesus Cristo, ao comunicar a Pedro e aos Apóstolos a sua autoridade divina e ao enviá-los a ensinar a todos os povos os seus mandamentos, os constituía guardas e intérpretes autênticos de toda a lei moral, ou seja, não só da lei evangélica, como também da natural, dado que ela é igualmente expressão da vontade divina e que a sua observância é do mesmo modo necessária para a salvação. Em conformidade com esta sua missão, a Igreja apresentou sempre, e mais amplamente em tempos recentes, um ensino coerente, tanto acerca da natureza do matrimônio, como acerca do reto uso dos direitos conjugais e acerca dos deveres dos cônjuges”.

Sobre os métodos anticoncepcionais, que ocupam um ponto, mas não constituem a razão de ser principal da encíclica, aquele Papa santo faz, no número 17, sérias advertências: “Os homens retos poderão convencer-se ainda mais da fundamentação da doutrina da Igreja neste campo, se quiserem refletir nas consequências dos métodos da regulação artificial da natalidade. Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infidelidade conjugal e à degradação da moralidade. Não é preciso ter muita experiência para conhecer a fraqueza humana e para compreender que os homens – os jovens especialmente, tão vulneráveis neste ponto – precisam de estímulo para serem fiéis à lei moral e não se lhes deve proporcionar qualquer meio fácil para eles eludirem a sua observância. É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada”.

Mais: “Pense-se ainda seriamente na arma perigosa que se viria a pôr nas mãos de autoridades públicas, pouco preocupadas com exigências morais. Quem poderia reprovar a um governo o fato de ele aplicar à solução dos problemas da coletividade aquilo que viesse a ser reconhecido como lícito aos cônjuges para a solução de um problema familiar? Quem impediria os governantes de favorecerem e até mesmo de imporem às suas populações, se o julgassem necessário, o método de contracepção que eles reputassem mais eficaz? Deste modo, os homens, querendo evitar dificuldades individuais, familiares, ou sociais, que se verificam na observância da lei divina, acabariam por deixar à mercê da intervenção das autoridades públicas o setor mais pessoal e mais reservado da intimidade conjugal”.

E conclui: “Portanto, se não se quer expor ao arbítrio dos homens a missão de gerar a vida, devem-se reconhecer necessariamente limites intransponíveis no domínio do homem sobre o próprio corpo e as suas funções; limites que a nenhum homem, seja ele simples cidadão privado, ou investido de autoridade, é lícito ultrapassar. E esses mesmos limites não podem ser determinados senão pelo respeito devido à integridade do organismo humano e das suas funções naturais, segundo os princípios acima recordados e segundo a reta inteligência do ‘princípio de totalidade’, ilustrado pelo nosso predecessor Pio XII”. Ademais, nos números 28 a 30 da “Humanae Vitae”, Paulo VI chama à responsabilidade os sacerdotes e bispos quanto ao conteúdo do rico documento sobre a moral matrimonial aberta à vida com responsabilidade. Luciani obedeceu e deu-nos exemplo de obediência à Igreja, mãe e mestra.

Falecido Paulo VI, o grande pontífice incompreendido por alguns, o conclave (reunião dos cardeais votantes) elegeu, em 26 de agosto de 1978, em poucas horas, Albino Luciani para ser o novo bispo de Roma. Seu nome escolhido foi João Paulo – (depois chamado de I, porque teve outro João Paulo, o II) –, em homenagem a dois Papas santos, seus predecessores: São João XXIII (1958-1963) e São Paulo VI (1963-1978). Seu pontificado durou apenas 33 dias; foi, portanto, um dos mais breves da história. Todavia, deixou sua marca como “o Papa sorriso”, qualidade que atraiu a não poucas pessoas mundo afora. Importa, no entanto, dizer que um dos grandes atrativos de seu brevíssimo magistério foi a recordação bíblica (Is 49,15) de Deus como nosso pai e mãe.

Sim, em 10/09/1978, ante clamorosos problemas internacionais de então, João Paulo I dizia no Angelus: “O Presidente Carter, que é fervoroso cristão, lê no Evangelho: ‘Batei e abrir-se-vos-á, pedi e dar-se-vos-á. Nem um só cabelo da vossa cabeça se perderá sem que o permita o vosso Pai que está nos céus’. E o Primeiro-Ministro Begin recorda-se que o povo hebraico passou outrora momentos difíceis e se dirigiu ao Senhor lamentando-se com estas palavras: ‘abandonaste-nos, abandonaste-nos!’. ‘Não – respondeu Ele por meio do Profeta Isaías – acaso pode uma mulher esquecer-se do próprio filho? Mas ainda que ela se esquecesse dele, nunca Deus esquecerá o seu povo’. Também nós, que nos encontramos aqui, temos os mesmos sentimentos; somos objeto, da parte de Deus, de um amor que não se apaga. Sabemos que tem os olhos sempre abertos para nos ver, mesmo quando parece que é de noite. Ele é papá; mais ainda, é mãe. Não quer fazer-nos mal, só nos quer fazer bem, a todos, Os filhos, se por acaso estão doentes, possuem um título a mais para serem amados pela mãe. Também nós, se por acaso estamos doentes de maldade, fora do caminho, temos um título a mais para que o Senhor nos ame”.

No dia 28 de setembro do mesmo ano dessa reflexão no Angelus, a irmã religiosa que lhe levava o café da manhã o encontrou morto em seus aposentos. O fato despertou boatos, depois transformados em livros e filmes, afirmando que Sua Santidade fora assassinado de modo um tanto misterioso. Ante essa fantasia, estudiosos sérios buscaram examinar o assunto e puderam concluir que João Paulo I faleceu de morte natural. Stefania Falasca, vice-postuladora da sua Causa de Canonização, em sua obra italiana “Cronaca di una morte”, Libreria Editrice Vaticana, colocou fim às especulações: o “Papa sorriso” não foi assassinado. Faleceu de infarto agudo do miocárdio (cf. Arlindo Rubert. Tudo sobre os Papas. Porto Alegre: EST, 2003, p. 65).

Em 15/10/2021, o site da CNBB, ao tratar de João Paulo I, destacou dois pontos que o unia ao nosso querido Brasil. O primeiro é a sua ligação com os cardeais Dom Aloísio Lorscheider e Dom Paulo Evaristo Arns. Estes teriam, no conclave, ajudado a articular a escolha de Luciani para suceder São Paulo VI, mas Luciani mesmo votara, como revelou depois, em Dom Aloísio Lorscheider para ocupar a Cátedra de Pedro. “Tal era a estima e o apreço de João Paulo I pela densidade humana e pastoral do então arcebispo de Fortaleza. Uma estima recíproca. Luciani e Lorscheider tinham sido padres conciliares. Juntos, como jovens bispos, tinham participado de todas as quatro sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II”, afirma a matéria. O segundo ponto é que Luciani esteve no Brasil e “Dom Aloísio acompanhou o futuro Papa João Paulo I, à época patriarca de Veneza, quando de sua ida a Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em novembro de 1975, ocasião em que recebeu o diploma honoris causa da Universidade Federal gaúcha”. O então cardeal patriarca de Veneza “se sentiu em casa em Santa Maria, pois tanto ele como o povo falavam vêneto. Vale ressaltar que do Vêneto – região italiana de origem de Luciani – partiram milhares de italianos para o Brasil, sobretudo entre os anos 1880 e 1950. Daí, uma forte presença de italianos e descendentes de italianos também no Rio Grande do Sul. Dom Aloísio lembrou a grande multidão que se reuniu na ocasião para ouvir o então patriarca de Veneza e as muitas pessoas que viu chorar quando Luciani, com simplicidade, dirigiu-se a elas falando em dialeto”. O Beato tem também parentes por parte de mãe em Santa Catarina: a família Tancon.

O milagre – confirmação de Deus para a beatificação de João Paulo I – é assim sintetizado pelo Pope de 13/10/2021: “Trata-se da cura de uma menina de onze anos, em Buenos Aires, no dia 23 de julho de 2011, que sofria de ‘encefalopatia inflamatória aguda grave, doença epilética refratária maligna, choque séptico’ e que estava em fim de vida. O quadro clínico era muito grave, caracterizado por numerosas crises epiléticas diárias e um estado séptico causado por broncopneumonia. A iniciativa de invocar o Papa Luciani foi tomada pelo pároco da paróquia à qual pertencia o hospital, ao qual ele era muito devoto”. A menina está completamente curada.

Com tantos laços aqui, só nos resta pedir que o Beato João Paulo I interceda a Deus por todos nós brasileiros. Amém!

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04 setembro 2022, 13:19