Zenari: sÃrios no frio e famintos, em março uma conferência para as ajudas
Eugenio Bonanata – Pope
O núncio apostólico em Damasco, cardeal Mario Zenari, ilustra a conferência para a Síria que se realizará em Damasco a partir de meados do próximo mês, com o incentivo do prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, cardeal Leonardo Sandri. "Igreja Sinodal e o Exercício da Caridade" é o título do evento, que efetivamente explica os objetivos práticos e a raiz espiritual da iniciativa que reunirá representantes de vários Dicastérios do Vaticano, várias conferências episcopais ao redor do mundo envolvidas na ajuda ao país e as principais agências humanitárias das Nações Unidas. "Estamos diante de 13 milhões de pessoas vivendo em condições de extrema adversidade", disse dom Zenari, que recordou a triste imagem destas semanas de inverno: a morte de uma criança que foi esmagada sob uma tenda de refugiados que desabou sob o peso da neve. "O processo de paz está parado, enquanto a pobreza continua a galopar", disse ele, agradecendo ao Papa Francisco por sua constante proximidade e pelas muitas ações humanitárias implementadas nos últimos anos pelos principais atores do setor. "Há uma necessidade deste evento de três dias para fortalecer o ministério da caridade", afirmou, referindo-se ao encontro como um exemplo da "Igreja em saída". Uma Igreja que todos os dias na Síria vê esta enorme crise e que precisa caminhar ao lado da Igreja Universal para responder à mais grave tragédia humanitária desde a Segunda Guerra Mundial.
Eminência, durante estes dias em Roma, o senhor participou da assembléia plenária da Congregação para as Igrejas Orientais.
Sim, e também estou utilizando estas últimas horas para preparar um evento especial que se realizará na Síria em meados do próximo mês: uma conferência com a participação de membros de alguns Dicastérios romanos, convocada pela Igreja na Síria por sugestão e incentivo do cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, há cerca de três meses. O tema desta conferência, que é única em seu gênero, é "Caridade e Sinodalidade": a Igreja que deve colocar todas as suas energias ainda mais em movimento e que, precisamente em espírito sinodal, se esforça para exercer o ministério da caridade.
Podemos dizer que é uma forma de dar corpo ao constante encorajamento do Papa?
É o encorajamento para uma "Igreja em saída", como o Bom Samaritano, que o Papa Francisco repete com frequência e que se aplica a toda a Igreja e, em particular, à Igreja na Síria. Nunca antes a Igreja síria foi chamada a sair, a sair sinodalmente, juntos: todos os bispos, toda a Igreja síria já está em saída, mas deve sair de novo com um espírito renovado. E deve fazê-lo junto com a Igreja universal. De fato, nesta conferência haverá - além de alguns membros de Dicastérios romanos - também a comunidade católica internacional e representantes das conferências episcopais de vários países que ajudam no ministério da caridade.
O que a Igreja síria vê em seu ser saída?
Ela vê a mais grave catástrofe humanitária do período pós-guerra. Pensamos em mais de meio milhão de mortos e feridos e 90% da população, de acordo com as estatísticas das Nações Unidas, vivendo abaixo da linha de pobreza. Como o Bom Samaritano que encontrou um homem pobre que se deparou com ladrões, e que foi roubado, deixado meio morto à beira da estrada, a Igreja síria também vê 13 milhões de pessoas vivendo nestas condições, que estão com fome e que precisam ser aquecidas porque agora está muito frio. Acabo de sair da Síria; havia neve e temperaturas abaixo de zero. Há barracas de refugiados que caíram há duas ou três semanas sob o peso da neve. Até mesmo uma criança foi esmagada sob o peso de uma tenda que havia caído por causa da neve e depois houve outros bebês que morreram por causa do frio. Isto é o que a Igreja síria vê.
Assim, esta conferência se torna o instrumento para canalizar energias e tomar medidas.
Devo dizer que todos estão vendo o que está ocorrendo na Síria. Mas, como disse o Papa Bento XVI, "é preciso de um coração que veja". Também na parábola do Bom Samaritano, havia duas pessoas que viram antes do Bom Samaritano, mas se afastaram e continuaram seu caminho. É por isso que precisamos de um coração que veja. E é a Igreja que deve ter o coração do Bom Samaritano que vê, que se move com compaixão. Precisamos da "criatividade do amor" da qual fala o Papa Francisco: precisamos fazer alguma coisa, para nos ocuparmos. E há outra bela expressão de São João Paulo II que diz respeito à "imaginação da caridade". Diante desta catástrofe humanitária, devemos necessariamente desenvolver a imaginação da caridade e devemos também ver com o coração.
E, no entanto, nos últimos anos não faltaram iniciativas beneficentes por parte da Igreja
Certamente. E também estou aqui para recordar e agradecer aos membros da Igreja Síria que desenvolveram algumas formas muito finas de assistência e caridade humanitária nos últimos anos. Vão desde o pão cotidiano - que as pessoas precisam - até os cuidados com a saúde - porque há necessidade de medicamentos - sem descuidar da educação e assistência para as crianças que não vão à escola. É bom ver esta fantasia de caridade e este sair juntos. E é por isso que precisamos desta conferência, para a qual também serão convidados representantes das Nações Unidas que trabalham lá. Somos como os discípulos a quem foi feita uma pergunta quando Jesus disse "alimente-os" em referência às pessoas que tinham fome. A primeira reação espontânea, minha também, é: como alimentar todas essas pessoas, como encontrar medicamentos, como encontrar cobertores, roupas, agora que estamos no inverno!
Qual é o objetivo principal da conferência?
Serão três dias de reflexão da qual temos muito necessidade. Haverá uma Igreja sinodal que vê como desenvolver e como organizar melhor a caridade. E também recorrerá aos organismos internacionais porque precisamos de toneladas de farinha, arroz e óleo. É claro que também devemos agradecer ao Programa Mundial de Alimentação, à Cruz Vermelha. Mas agora também precisamos unir esses esforços. E, ao mesmo tempo, a Igreja, que está no terreno e que vê, deve dar um pouco esse sentido, encorajando ou convidando a comunidade internacional a fazer ainda mais.
Esta iniciativa sobre quais bases espirituais se baseia?
Vindo a Roma, falando de caridade, lembro-me muitas vezes de um grande mártir sírio que foi bispo por volta de 100 d.C.: o bispo de Antioquia da Síria, Santo Inácio de Antioquia. A caminho de Roma, como prisioneiro, para ser martirizado e devorado por feras selvagens, ele disse sobre a Igreja de Roma: "A Igreja de Roma, com seu Bispo, com o Papa, preside a caridade". E aqui, sempre que venho, vejo o Papa e percebo que Francisco realmente se preocupa com esta situação dos pobres do mundo inteiro, e especialmente da Síria. E eu teria muitos exemplos a dizer sobre a ajuda que ele me deu. Mas ao mesmo tempo, lembrando a figura de Santo Inácio de Antioquia, quando ele foi levado de sua diocese, lembro também o apelo que ele fez às várias comunidades durante sua viagem: "Lembrem-se em suas orações da Igreja na Síria". Repito este apelo porque a Síria precisa não só do pão que recebe da Cáritas do mundo inteiro, mas também de uma caridade especial: a caridade da oração para poder realizar melhor este exercício e este ministério de caridade.
A pandemia, em sua opinião, diminuiu a atenção do mundo para com a Síria em termos de fraternidade e solidariedade?
Infelizmente, a Síria foi esquecida nos últimos dois ou três anos. Alguns jornalistas a que me referi me disseram: "Infelizmente, após 10 anos de guerra, você não pode mais vender notícias sobre a Síria". Este fato de ser esquecido realmente dói muito, é muito triste. Entretanto, outros problemas surgiram, como o vizinho Líbano; agora há a Ucrânia; a Covid. Embora, com relação à pandemia, devo dizer que houve uma graça em desgraça: até agora, a catástrofe que era temida não aconteceu porque ninguém vem à Síria. Não há aeroportos operando no país, tudo está fechado e durante anos houve um bloqueio que impediu a entrada e a propagação da Covid. Portanto, de acordo com as estatísticas oficiais, mas também vendo a situação no terreno um pouco, felizmente, esta pandemia ainda é limitada. No entanto, este isolamento é ruim porque a Síria é esquecida pela mídia. Ninguém fala dos sírios, que ao invés disso precisam ver a solidariedade física e, portanto, ver as pessoas chegando ao país para não se sentirem abandonadas. Para dar um exemplo, uma vez eu estava na rua e um jovem casal me perguntou onde ficava tal restaurante. Eu não estava vestido com roupas de igreja e respondi: "Sinto muito, não sou daqui, não posso dar esta informação". O jovem imediatamente me disse: 'Tudo bem, não é um problema, mas agradecemos por estar aqui conosco, por estar aqui na Síria'.
O que cada um de nós pode fazer concretamente para estar perto de nossos irmãos e irmãs sírios?
Eu diria: não vamos abandonar a Síria. Tenho visto imagens que não tinha visto nem mesmo nos últimos anos, quando bombas caíam por toda parte: filas de pessoas em frente às padarias que vendem a preços controlados pelo Estado. Vejo que a pobreza está galopando, enquanto, infelizmente, o processo de paz está paralisado. Portanto, gostaria de apelar, antes de mais nada, à comunidade internacional, aos órgãos institucionais internacionais, para que se movam: não se pode deixar uma população à deriva e sofrendo de fome, sofrendo de falta de hospitais e medicamentos. E então eu também apelaria para todo o mundo da mídia: não se esqueça desta tragédia. Repito: a Síria está sofrendo e ainda sofre a mais grave catástrofe humanitária desde o fim da Segunda Guerra Mundial em termos de números.
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