O caminho da Primeira Assembleia Eclesial: um caminho para uma Igreja sinodal em sa¨ªda
Pope
Nesta terça-feira houve a apresentação do Painel: "O Caminho da Assembleia Eclesiástica" pela Ir. Birgit Weiler, WMM. Publicamos a sua fala na íntegra:
Boa tarde a todos e todas. Estou muito grata pelo convite para participar neste painel juntamente com o Cardeal Oscar Maradiaga e Mauricio López para partilhar as nossas reflexões sobre o caminho da Primeira Assembleia Eclesial. Na minha contribuição para este painel desejo refletir sobre o caráter sinodal da Primeira Assembleia Eclesial, uma vez que o espírito sinodal esteve presente desde o início da viagem quando o Papa Francisco, na sua videomensagem de 24 de Janeiro deste ano, sublinhou que "é uma experiência nova", porque não é apenas uma Assembleia dos bispos mas de todo o povo de Deus. À luz da fé, experimentamos nela a novidade do Espírito de Deus que nos surpreende ao agir no nosso meio, membros do povo de Deus - o "transbordamento" (Papa Francisco), levando-nos por caminhos sem precedentes de conversão pessoal, comunitária e também institucional em direção a uma igreja sinodal na qual partilhamos o chamamento a sermos discípulos missionários que vão em frente. Trata-se de "caminhar juntos", ou seja, homens e mulheres leigos, religiosos e religiosas, seminaristas, sacerdotes, bispos e também todas as pessoas de boa vontade que desejam fazer parte desta viagem em comunidade. Na sua supracitada videomensagem, o Papa Francisco pediu-nos que prestássemos muita atenção que "esta Assembleia não é uma elite separada do povo santo e fiel de Deus, mas junto com o Povo". Não esqueçamos que o que deve caracterizar profundamente a Igreja é que ela "está com todos, sem exclusão" (Papa Francisco na sua videomensagem de 24 de Janeiro de 2021).
Para muitos de nós que participaram no processo de escuta, tem sido uma experiência viva de sinodalidade. Na minha opinião, foi uma graça que um total de quase 70.000 pessoas tenham participado no processo. O empenho de indivíduos, comunidades e organizações eclesiásticas em chegar a muitas pessoas nas periferias geográficas, sociais, culturais e eclesiásticas no meio das restrições causadas pela pandemia também contribuiu grandemente para isso. O próximo passo importante foi também recolher e sintetizar cuidadosamente as muitas contribuições e publicá-las na Síntese Narrativa, para que estejam disponíveis a todos. Pela primeira vez na Igreja na América Latina e no Caribe, as diversas vozes do povo de Deus na nossa região foram tão amplamente recolhidas, as vozes de homens e mulheres de diferentes idades, rapazes, moças, jovens, membros de povos indígenas, afro-descendentes, comunidades camponesas, pessoas de diversos contextos urbanos, estudantes universitários, membros das comunidades LGTBIQ+, pessoas com capacidades diferentes ou especiais, e assim por diante. Isto reflete o desejo de ser uma Igreja multifacetada, que deve ser uma característica essencial de uma Igreja sinodal. Nas reflexões de grupo e nos fóruns, cresceu a consciência de que o povo de Deus é constituído por todos nós e que, portanto, a voz de cada um de nós conta.
Ouvindo pessoas de vários países da América Latina e do Caribe que foram membros das Comissões formadas em nome das diferentes Conferências Episcopais nacionais para encorajar e acompanhar o processo de escuta, tenho a impressão de que em muitos casos as Comissões têm sido escolas de sinodalidade. Esta foi, por exemplo, a nossa experiência no Peru, onde tive a boa sorte de fazer parte da comissão. Foi gerado entre nós um forte espírito de trabalho de equipa, reconhecendo uns aos outros como membros plenos do povo de Deus com diferentes carismas e dons que cada um foi capaz de contribuir. No trabalho da Comissão juntamente com as prelaturas, vicariatos e dioceses, foi possível observar quantos membros do povo de Deus, ao participarem no processo de escuta, assumiram o seu papel de sujeitos ativos na Igreja, interagindo livremente entre si. Os bispos e padres participantes estiveram em muitos casos presentes, ouvindo primeiro os outros membros do povo de Deus antes de falarem. Estas foram experiências profundas de caminhar juntos como irmãos e irmãs na fé que partilham o dom do Espírito que receberam no batismo e a responsabilidade pela missão da Igreja.
Ao longo do processo, foi notada a grande importância da atitude e prática da escuta como elemento central no discernimento comunitário e na experiência de sinodalidade. Mauricio López irá reflectir mais detalhadamente sobre isto. A grande variedade de vozes que contribuíram para uma leitura atenta dos sinais do nosso tempo na sociedade e dos sinais eclesiais, bem como para o discernimento comunitário destes sinais, é certamente uma grande riqueza.
Já terão notado que o Documento para o Discernimento Comunitário inclui elementos centrais de escuta em relação aos sinais dos tempos que foram identificados como prioritários devido aos fortes desafios que nos apresentam, devido à importância que têm para nós nas várias sociedades da América Latina e do Caribe, e devido ao significado que têm para a Igreja, a sua credibilidade e a sua missão neste momento da história. Esta Assembleia ainda se encontra em processo de escuta. Portanto, como membros da Assembleia, somos chamados a ler o Documento para o Discernimento Comunitário numa atitude contemplativa e a escutar por meio das vozes daqueles que contribuíram com os vários conteúdos, a forma como Deus nos fala hoje, onde o seu Espírito sopra e quais são os novos caminhos para onde o Espírito nos quer conduzir. Ao escutarmo-nos uns aos outros na Assembleia e ao escutarmos juntos o Espírito enquanto discernimos cuidadosamente os sinais sociais do nosso tempo e os sinais eclesiais, queremos identificar as orientações pastorais prioritárias para a nossa Igreja na América Latina e no Caribe com vista a 2031 e 2033.
É significativo que nas contribuições para o processo de escuta várias vozes expressaram o seu grande apreço pela experiência de sinodalidade na realização da escuta nas reflexões de grupo e nos fóruns. Numa citação representativa, é dito com vista ao futuro: "Esperamos que uma Igreja sinodal em saída, onde todos são tidos em conta, se torne uma realidade. Que a escuta da Palavra de Deus transforme os nossos corações" (SN, p. 111). Acredito que o que temos vivido é o compromisso. Com gratidão estamos a acolher nos nossos corações os momentos de graça em todo o processo de escuta que continua nesta Primeira Assembleia Eclesial e sentimos ao mesmo tempo que Deus nos chama a continuar neste caminho com decisão firme. As seguintes palavras do Papa Francisco são proféticas ao afirmarem que o caminho da sinodalidade é precisamente "o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio" (Discurso do Papa Francisco na Comemoração do 50º Aniversário da Instituição do Sínodo dos Bispos (2015). Como mostra a Síntese Narrativa, muitos membros do povo de Deus na nossa região desejam profundamente que a nossa Igreja cresça cada vez mais na sinodalidade e que experimentemos a conversão necessária para que isso aconteça e que tenhamos a vontade de aprender juntos como ser uma Igreja sinodal não só em palavras mas também em estruturas e procedimentos eclesiais, bem como em práticas pastorais. Nisto é expresso o sensus fidei, o intiuicipon do povo em matéria de fé.
Em numerosas contribuições para o processo de escuta, foi dada muita ênfase à necessidade de reconhecer as mulheres como protagonistas nas nossas sociedades e sobretudo na nossa Igreja e de as incluir muito mais nos órgãos de discernimento e de tomada de decisões, ou seja, nos órgãos de governo da Igreja a diferentes níveis, local, regional, por exemplo ao nível do CELAM, CEAMA e REPAM, bem como ao nível da Igreja universal. O Papa Francisco está dando um exemplo a este respeito com a nomeação de mulheres para várias responsabilidades no governo do Vaticano. Muitas contribuições para a escuta reconhecem e valorizam as múltiplas contribuições das mulheres para a vida e missão da Igreja da América Latina e do Caribe à luz da opção pelos pobres e dos cuidados da Casa Comum. Muitas mulheres na sua própria pessoa são "Igreja em movimento". Contudo, um olhar atento sobre a realidade da Igreja e os dados estatísticos correspondentes mostram claramente que em relação a todos os serviços que as mulheres desempenham na Igreja e em nome da Igreja para com a sociedade, a sua participação nos órgãos de governo da Igreja e em posições de liderança nas instituições e organizações da Igreja é muito baixa. É por isso que muitas contribuições para o processo de escuta por parte de mulheres e homens apelam explicitamente para que isto mude, para que possamos ser uma Igreja verdadeiramente sinodal, na qual os carismas e dons de homens e mulheres são valorizados, também nos órgãos de governo da Igreja, e na qual as mulheres podem contribuir com as suas formas de compreender e praticar a liderança no espírito do Evangelho. Isto seria para o bem de toda a Igreja e iria enriquecê-la. É importante notar também que várias vozes no processo de escuta apontaram para a importância de continuar a reflexão teológica sobre as mulheres e os ministérios na nossa Igreja, que também inclui novos ministérios.
Ao mesmo tempo, as contribuições para o processo de escuta identificaram o clericalismo como um grande obstáculo para uma Igreja sinodal. Em numerosas contribuições, percebe-se claramente que o clericalismo está intimamente ligado ao abuso de poder; em diferentes contribuições, salienta-se que numa estrutura clerical "os leigos e o seu papel é totalmente minimizado por uma atitude de total obediência e sem possibilidades de crescimento e maturidade". Vários comentários coincidem com o que o Papa Francisco observa em relação ao clericalismo, que é uma das mais fortes deformações da Igreja na América Latina e no Caribe, uma deformação que deve ser superada. Mas tenhamos presente que muitas vezes existe uma mentalidade clerical não só no clero, mas também em homens e mulheres leigos, homens e mulheres religiosos. Por esta razão, o processo de conversão inclui-nos a todos, a fim de superar mentalidades, atitudes e práticas clericais e de gerar uma verdadeira cultura sinodal na nossa Igreja. É imperativo que nos comprometamos juntos a viver este processo de conversão, aprendendo juntos a caminhar verdadeiramente juntos como irmãos e irmãs na fé e promovendo uma cultura cada vez mais sinodal na nossa Igreja. Reconheçamos que somos membros de uma "ecclesia semper reformanda", de uma Igreja que precisa sempre de reforma e renovação em obediência ao Espírito que sopra onde quer (ver Jo 3,8).
Na conversão para superar o clericalismo e para crescer no espírito e na prática da sinodalidade, a nossa fidelidade a Jesus, que criticou fortemente os abusos de poder, subjugação e dominação sobre os outros por parte dos poderosos do seu tempo, está também em jogo. Face a esta realidade, Jesus exigiu dos seus discípulos: "Não deve ser assim entre vós" (Mt 20,26). E estas palavras aplicam-se também a nós hoje, discípulos missionários de Jesus. Temos de sair de uma mentalidade e prática de abuso de poder, de dominação e comando sobre outras pessoas. Não deve ser assim entre nós. No evangelho de Mateus Jesus também nos lembra o que deve ser o fundamento das nossas formas de nos relacionarmos uns com os outros: Somos todos irmãos e irmãs (Mt 23,8) que partilhamos a dignidade de sermos filhos e filhas amados de Deus e que somos chamados a reconhecer-nos uns aos outros como tal. Pertencemos à grande família humana que todos nós formamos juntos e da qual ninguém deve ser excluído. Corresponde ao espírito de Jesus de superar as formas verticais de relacionamento e de crescer em relações de tecelagem baseadas no respeito e apreciação mútuos, na empatia, na busca comum do que é certo e na solidariedade, na atitude de serviço mútuo levado a cabo com um profundo sentido de dignidade. Acolhamos o convite do Espírito para nos tornarmos uma comunidade de irmãos e irmãs, ajudando-nos a viver com um coração aberto à audácia do Espírito que deseja conduzir a Igreja por caminhos de profunda transformação e renovação.
Não esqueçamos que uma Igreja sinodal não deve ser auto-referencial, mas sim chamada a ser uma Igreja missionária que sai; uma Igreja que escuta o grito dos pobres que têm muitos rostos e o grito da terra, ambos cada vez mais intensos e intimamente ligados. Pois a nossa terra também sofre e é levada à beira do colapso pelos nossos abusos de poder no nosso tratamento da mesma. Amemos e honremos a Deus, cuidando da parte da criação que Ele nos confiou e, assim, cuidando das nossas próprias vidas e das dos nossos irmãos e irmãs, especialmente dos mais vulneráveis. É uma parte integrante de caminharmos juntos num espírito sinodal.
Este é um tempo kairós, um momento denso e pleno da graça de Deus que exige a nossa resposta. Acolhamos com um coração aberto e generoso este momento de graça para a nossa Igreja na América Latina e no Caribe. Como se diz numa canção religiosa da minha terra natal: "Agora é o momento, esta é a hora" de agir e acolher a novidade de Deus para o bem de todo o povo de Deus e da sua missão nesta Região. Muito obrigada pela vossa atenção.
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