Pandemia: a dor e o luto nas famÃlias
Ricardo Gomes – Diocese de Campos
Enfrentar o vazio da perda de alguém que você ama em tão pouco tempo e sem as devidas despedidas foi algo enlouquecedor na vida de Rita de Cássia Tostes Mota e de Paulo Bucker. Uma dor que aumenta a cada dia. Rever lembranças familiares e o luto que custa a passar. Guardar recordações, a saudade e uma incerteza. Nas famílias enlutadas a única esperança é o conforto das orações e da solidariedade de amigos.
Rita de Cássia Tostes Mota recorda do irmão saudável. E para se proteger se refugiou numa propriedade rural da família com a esposa. E numa visita familiar todos contraíram o vírus que foi fatal. Da perda do irmão já passou mais de um ano, mas a tristeza de uma vida que foi perdida de forma tão rápida e inesperada.
“A dor não passa tão fácil. Passaram-se meses e na minha lembrança meu irmão continua vivo. Parece que está viajando e pode voltar a qualquer momento. Conforta-me rezar pelo descanso de sua alma. Perdi um grande amigo, um irmão que sempre dócil era aquele companheiro de todas as horas na vida de nossa famíliaâ€, relata Rita.
“Perder um filho é uma dor sem significado. Sofremos muito e essa tristeza aumenta a cada dia†Paulo Bucker.
Paulo Bucker não tem palavras. Chora a perda do filho aos 29 anos. O sofrimento não tem dimensão e recorda a alegria do filho, as ligações, as reuniões familiares e o vazio que fica. Um filho carinhoso com os pais que ligava ou mandava mensagens.
“Uma parte de mim está sepultada com meu filho. Recordar as mensagens diárias pedindo a benção, a alegria dos momentos familiares. Minha vida se resume na minha família e agora faltando ele, Felipe. Muita dor e graças a Deus o conforto de minha esposa e filhas. Saudades eternas de meu eterno meninoâ€, conta Paulo.
Conforto e presença
No início da pandemia a maioria dos sepultamentos era de forma rápida e sem as cerimônias fúnebres realizadas pela igreja. Com a flexibilização algumas paróquias iniciaram a realização de um rito simples, restrito aos familiares e com todos protocolos sanitários de distanciamento social. Na Diocese de Campos, padre José Mauricio Peixoto aceitou o desafio de acompanhar na dor as famílias enlutadas. Na chegada do cortejo ao cemitério está realizando uma cerimônia rápida e com a família para ajudar o conforto e marcando a presença da igreja na hora da dor e do luto.
â€œÉ um momento muito doloroso ver a família sem poder realizar as despedidas com o velório. É muito triste e a nossa missão é confortar os sofredores. Por esse motivo estou fazendo a celebração fúnebre na porta do cemitério, distante da urna que fica no carro funerário. É uma forma de amenizar esse momento de dorâ€, disse padre José Maurício Peixoto.
Os ritos fúnebres ajudam a curar a dor. Perceber o amor de Deus expresso na Igreja. Um desafio, mas um serviço pastoral.
Padre José Mauricio Peixoto recorda famílias marcadas pela dor de familiares em curto período de tempo. Nestes lares a presença da igreja conforta e ajuda a reelaborar o luto. Da triste realidade ao conforto espiritual. Na Paróquia Nossa Senhora da Penha, no Distrito de Morro do Coco vivenciou essas experiencias na comunidade paroquial e admite a importância desse cuidado pastoral.
Na Paróquia São José de Leonissa, Itaocara (RJ), Diocese de Nova Friburgo padre Gilmar Rodrigues Gomes tem realizado com as medidas sanitárias as celebrações dos ritos fúnebres, com distanciamento social e revela a importância desses momentos de presença da igreja. Uma missão que tem buscado realizar para o conforto das famílias enlutadas.
“A pandemia nos privou de estar perto nos momentos mais sensíveis da nossa vida, na enfermidade e no momento da morte. Duas obras de misericórdia corporal bem especificas da vida cristã, que ficaram comprometidas nesse período. Diante dessa realidade, de não poder velar o ente querido, percebi a necessidade de fazer alguma coisa, mesmo que breve. Em frente ao cemitério junto com os familiares e amigos realizamos o rito de Exéquias de forma abreviada. Para além disso procuramos visitar todas as famílias enlutadas, servindo-se com as nossas orações e a presença. Essas orações são acompanhadas da imagem do nosso padroeiro São José de Leonissa. E o mínimo que podemos oferecer nesse momento de tanta privação. sempre digo, que das tantas pessoas que temos perdido e que não percamos a esperança, a fé e a caridadeâ€.
Padre Gilmar ressalta que neste momento em que algumas palavras e expressões como “distanciamentoâ€, “use máscarasâ€, “higienize as mãos†se tornaram mantras, não para alcançar a paz interior, mas como medida preventiva para preservar a vida, paradoxalmente a experiencia da morte, que já é dolorosa se tornou mais aguda.
“Assim vamos debaixo da graça e da força do Espirito Santo, vivendo e reelaborando o luto pessoal e comunitário. Durante a festa em nossa Paróquia convidei as famílias enlutadas para entrarem com o oratório de nosso Padroeiro durante a missa. Foi uma experiência muito importante e libertadora. De um modo geral todos testemunharam que o pesar e o trauma de não poder ter velado e sepultado seus mortos foi de alguma maneira vivido e compensado com esse simples gesto†conclui Pe. Gilmar.
A dor que sensibiliza profissionais de saúde
“Nós não fazemos milagre, a população tem que nós ajudar. Todo unidos sem soltar a mão um do outro vamos vencer. As pessoas já estão desrespeitando o isolamento. Eu sou uma sobrevivente da Covid-19 graças a Deus. E mesmo assim não desisto de cuidar do outro mesmo com medo, ansiedade, stress, cansaço. Eu coloco a minha vida nas mãos de Deus e de Nossa Senhora. Tenho a consciência que só ele que nos dá a vida e só ele que pode tirar. Quando você faz parte da saúde, principalmente da enfermagem, você sabe que todos os seus plantões, você vai tocar uma vida ou uma vida vai tocar você. Peço oração para todos os pacientes que estão sofrendo por covid 19â€. Eliane Cardoso Rangel – Enfermeira.
Conviver com as mortes é uma experiencia vivenciada diariamente pelos profissionais de saúde. E essas vidas vencidas pelo vírus tem trazido efeitos sobre a saúde mental de muitos médicos e profissionais que estão no enfrentamento da Pandemia. A Enfermeira Eliane Cardoso Rangel que trabalha em Campos no Hospital de Ururai recorda que em 2020 foi infectada e lutou até vencer o vírus e voltou a atuar na linha de enfrentamento. Medo e coragem de continuar a missão de cuidar das vidas dos infectados.
“Eu achava que o pior ia acontecer, pois cheguei a ficar internada. Fiquei muito abalada, só via coisas ruins sobre esse vírus, foi um período de muito sofrimento, pois além de ser contaminada pelo vírus, eu era o primeiro caso na minha cidade. As pessoas precisam ser mais empáticas e serem menos preconceituosas com quem está infectado. Hoje vejo que o remédio é o amor! Tenho certeza que sem o carinho da minha família, amigos eu não teria conseguido vencer. Depois do susto de ter a covid-19 e me recuperando, aos poucos a vida foi voltando ao normal. Quando me formei fiz juramento e pretendo cumprir até o final da minha vida. Somos a única área que não recuara em hipótese alguma, fiz uma escolha, quero ajudar a quem realmente precisa dos cuidadosâ€, revela Eliane.
Dor e esperança: Técnica de Enfermagem coloca o fim da pandemia na fé em Nossa Senhora.
Dor e tristeza e medo. Sentimentos que a Técnica de Enfermagem Tânia Maria Ferreira da Silva conta com a sua fé em Nossa Senhora pelo fim da pandemia. A profissional de saúde tem promovido todas semanas nas noites de quinta-feira a oração em frente aos hospitais com pacientes internados com a Covid 19 e dedica as preces marianas as famílias enlutadas e pede pelos médicos e profissionais de saúde que arriscam as suas vidas para cuidar de todos pacientes internados com o vírus.
“Hoje me sinto abalada muito emocionalmente, vendo pessoas do meu convívio sofrendo com esse maldito Vírus. Perdi pessoas próximas com esse vírus. Agora é muito pior do que na primeira onda, porque as pessoas estão cansadas, ninguém mais faz isolamento, nós da área de saúde nós sentimos lutando sozinhos em uma guerra. Me sinto apreensiva e triste, mas nunca perdi a minha fé. Eliane Cardoso Rangel – Enfermeira.
Fé e Esperança
E a fé e as orações que sustentaram a família de Sérgio que teve internado com o Covid. Foram dias de angustia e medo, mas a fé e a gratidão a Deus pela cura e a volta ao lar. Hoje junto a esposa a Catequista Kátia Cristina Trindade Duarte agradece a Deus e aos amigos por ter vencido o vírus. Agora é só alegria em companhia da esposa e filhos.
“Meu marido Sérgio Antônio no mês de março vivemos um dos piores momentos de nossas vidas. Ele foi trabalhar em Betim, Minas Gerais e lá contraiu a Covid 19 e retornando a Campos foi internado, meu chão se abriu, entrei em desespero, mas uma força para entrar em oração e mandei pedidos aos grupos de minha paróquia. Acordava as 3h para rezar o terço. Foram 12 dias de medo, mas com toda a fé. De volta para casa alegria e muita emoção e a gratidão a Nossa Senhora por meu esposo ter vencido a Covid e estar em famíliaâ€, revela Kátia.
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