Cardeal Odilo Scherer: Apelos da Quaresma
Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo
Com a Quarta-feira de Cinzas, a Igreja inicia o tempo quaresmal, durante o qual nos preparamos para a celebração da Páscoa deste ano. São 40 dias de exercícios, no ritmo da liturgia, da pregação e de práticas voltadas a nos ajudar na preparação para celebrar a Páscoa da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, mistério central da nossa fé.
Com a celebração da Páscoa estão relacionados o nosso Batismo e toda a nossa vida cristã. Fomos batizados na morte de Cristo para, com Ele, vivermos vida nova, conforme palavras de São Paulo. Por isso, na Quaresma, recordamos as referências centrais da nossa fé e das promessas batismais, para confrontar-nos com os propósitos da vida cristã; e ouvimos muitas vezes o chamado à penitência e à conversão, para assumirmos em nossa vida aquilo que nos une à Paixão e Morte de Cristo (morte ao pecado) e para assumirmos, com renovada alegria, aquilo que nos une a Cristo ressuscitado (vida nova segundo o Evangelho).
Os múltiplos exercícios da Quaresma estão voltados para a celebração da Páscoa, como aparece de forma eloquente na vigília pascal, do Sábado Santo: escuta e acolhida atenta da Palavra de Deus, renovação da profissão de fé e das promessas do Batismo, participação na vida nova de Jesus Cristo ressuscitado. São muitos os exercícios quaresmais, aos quais a Igreja nos chama durante este tempo precioso. O exercício da “conversão†é o primeiro e significa o retorno a Deus, de todo o coração.
A conversão, antes de se referir a questões da vida moral, refere-se à observância do primeiro mandamento da lei de Deus: amar a Deus sobre todas as coisas, reconhecer e adorar a Deus sinceramente, orientando para Ele a vida, com fé e confiança, sem reservas. Não podemos dar a Deus apenas uma parte de nossa vida, reservando para os próprios caprichos e gostos uma outra parte da vida, na qual Deus não tem nada a dizer. A conversão a Deus também inclui a escuta de Deus: ouvir com atenção e interesse, acolhendo sua Palavra sábia e sempre boa para nós. Quantas vezes ouvimos dos profetas e do próprio Jesus este apelo: “Não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor!â€. Ouvir a Deus e acolher sua vontade, que se expressa nos mandamentos, nas palavras do Evangelho e, de modo geral, nas palavras da Escritura e, também, da Igreja, encarregada de proclamar e testemunhar com autoridade a palavra de Jesus Cristo e de Deus.
É claro que a conversão também requer mudanças em nosso comportamento moral, quando vivemos de forma contrária a Deus e seus mandamentos. De nada adiantaria honrar a Deus com os lábios e com ritos exteriores, se o nosso coração e a nossa vida não estiverem voltados para Deus. Nossa vida moral, em todos os sentidos, deve ser coerente com a graça recebida no Batismo: somos filhos de Deus e membros da Igreja, testemunhas da vida nova que vem do Evangelho.
Exercício indispensável da Quaresma é a prática das obras de misericórdia, como expressão concreta da caridade e da fraternidade cristã. De fato, não há vida cristã verdadeira e fecunda sem a prática do amor fraterno e, portanto, a exercitação diária nas obras de misericórdia deve fazer parte da vivência da Quaresma. A Campanha da Fraternidade propõe, todos os anos, durante o período quaresmal, alguma dimensão da caridade e da fraternidade, pela qual se faz necessária a conversão pessoal e social. Assim, a Campanha da Fraternidade cabe muito bem na vivência da Quaresma, embora ela não realize todas as dimensões deste tempo. A Campanha faz parte dos exercícios da Quaresma e tem alcance social, envolvendo vários aspectos da vida cultural e do convívio social.
Nesse sentido, ela é uma expressão da ação evangelizadora, mediante a qual a Igreja vai além de sua vida interna e proclama o Evangelho à sociedade e ao convívio humano mais amplamente. Qualquer que seja o tema, o foco será sempre a promoção da fraternidade, como dimensão inerente à vida segundo o Evangelho. E todos somos chamados a promover o diálogo e a fraternidade para a superação dos conflitos e das polarizações que promovem todo tipo de violência.
Fonte: O São Paulo
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