Cardeal Hollerich sobre a Fratelli tutti: ¡°Este ¨¦ o Evangelho¡±
Andrea Monda
"O senhor me conhece, e sabe como eu fujo da retórica. Mas se eu tiver que dar um adjetivo que indique meu estado de espírito ao ler a , a única palavra que me vem à mente é "entusiasta". Assim o Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo e Presidente da Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia, inicia uma conversa sobre a nova encíclica do Papa. ¡°Teria preferido aceitar seu convite e escrever um comentário orgânico sobre o belo texto do Papa Francisco, mas a situação da pandemia aqui em Luxemburgo, como no resto da Europa, é muito grave e os compromissos pastorais se multiplicam: se as ovelhas não se reúnem, neste momento é o pastor que deve procurar o rebanho".
Encíclica com sabor do Evangelho
"Estou entusiasmado", nos diz o cardeal, "porque nesta carta pode-se sentir o sabor do Evangelho". Não há nada mais e nada menos do que o Evangelho. Não há nada mais e nada menos daquilo que Cristo nos diz no Evangelho. É o que Cristo nos diz no Evangelho. Todos irmãos significa antes de tudo que a nossa religião é comunitária: nunca estamos sozinhos diante de Deus. Jesus nos ensinou a rezar o Pai Nosso na primeira pessoa no plural. Porém, principalmente aqui na Europa, é comum rezar o "Meu Pai", de se entregar a uma piedade muito pessoal, de considerar Deus o meu Deus. Isso não é simplesmente errado, não é Cristão. Jesus é muito explícito neste sentido: eu estou com vocês quando "dois ou três" se reúnem em meu nome. A essencialidade da própria Encarnação está na comunhão fraterna, Deus se torna homem e irmão para compartilhar a si mesmo. Deste ponto de vista, encontro na carta tons proféticos, com respeito ao individualismo da pós-modernidade. E também com respeito à renovação da Igreja, que é em grande parte a superação de uma tendência ao individualismo que infelizmente também insidia dentro dela.
A abertura e a mudança são o paradigma do Cristianismo
O Papa Francisco nos convida a uma nova globalização: a do amor e da fraternidade. Fiquei muito tocado com a referência ao Bom Samaritano e com a necessária atualização da parábola: hoje eu sou, devo ser, o próximo dos refugiados de Lesbos, sejam eles cristãos ou muçulmanos, sou o próximo dos milhões que sofrem com a pandemia em todas as partes do mundo. Do ponto de vista da fraternidade, um novo terreno se abre diante de nós, novas possibilidades ao nosso ser Cristãos. E, pelo contrário, fecham-se algumas opções intrinsecamente opostas a ser Cristãos, antes de tudo ideologias populistas e nacionalistas. Qualquer sistema "fechado" representa um risco. E isto também é válido para a teologia e para a Igreja: evitar sempre o risco de fechamento por identidade. A abertura e a mudança são o paradigma do Cristianismo; desde o tempo dos apóstolos. É a própria presença de Cristo na Igreja que permite a propensão à abertura. Como eu disse, nesta carta há o Evangelho, e o Evangelho vem sempre em primeiro lugar. Neste sentido, posso dizer que na encíclica há toda a doutrina preexistente da Igreja, mas com a linguagem de Francisco. Que tem uma linguagem que sabe como torná-la fragrante, que sabe como falar ao coração".
A Europa conhece o conceito de fraternidade
Nos dois primeiros capítulos da encíclica, há várias referências à Europa, que impressão causou ao senhor?
"Achei muito bom que se fale isso. Os europeus são pessoas que conheceram e experimentaram o conceito de fraternidade. O mesmo conceito que foi laicamente expresso estava na base do projeto europeu. Uma Europa unida é um projeto de fraternidade. O Papa diz que se não existisse deveria ser inventado. É um modelo para o mundo. Em nenhum outro lugar do mundo as nações renunciaram a partes de soberania para ceder a um projeto comum. Mas hoje este projeto encontra-se em grave dificuldade. À cessão de soberania opõe-se o soberanismo. Ou seja, à fraternidade opõem-se o egoísmo. Vejam o caso dos refugiados: não se consegue encontrar um acordo, e se for encontrado é certamente com danos para os refugiados que pagam o preço da indecisão e do egoísmo europeu. Não, essa não é a nossa história. Não é a melhor história da Europa. A Europa unida que queremos. E isto também se aplica às religiões que aparecem no ambiente europeu: superar as tentações de fechamento, e com isso as generalizações, isolar o separatismo e a violência. Reconhecer sempre que o Outro é riqueza. Ver sempre o bem que há no Outro. Falar do que nos une, não do que nos divide".
A União sobrevive de compromissos, não vive de ideais
"Temos o dever de apelar para a consciência de todos. Não se trata (apenas) de uma questão de política. Mas, acima de tudo, de consciência. A União precisa de valores, mas não vejo muita circulação de ideais neste momento. A União sobrevive de compromissos, não vive de ideais. Devemos voltar ao ideal original de uma casa comum. Aquele sonhado e construído pelos pais fundadores da Europa. Que precisa certamente de uma atualização (por exemplo, também em relação à coexistência de diferentes crenças religiosas), mas que em seus fundamentos ainda é sempre válida.
Fratelli tutti sequência e consequência da Laudato si¡¯
Gostaria de acrescentar uma última coisa. Vejo Fratelli tutti como a sequência e a consequência da Laudato si¡¯. Vive-se como irmãos em uma casa comum. Somente como irmãos a casa comum é protegida. Ser irmãos significa contribuir para a proteção da criação com os irmãos da Amazônia e com os das gerações futuras. Há uma ligação coerente entre as duas encíclicas que precisa ser mais explorada. Não tenho dúvidas de que ambos os documentos são a base sobre a qual construir um novo humanismo para todos os homens de boa vontade.
(L'Osservatore Romano)
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