Hist¨®ria do Canto Gregoriano: origem e rela??o com S?o Greg¨®rio Magno
Por Fábio Sales
Fruto de pesquisa que traduz uma riqueza histórica, a elaboração de conteúdo com muitos detalhes e avaliações precisas do maestro do Coral Diocesano de Santo André, Diego Muniz *, a série História do Canto Gregoriano abordará neste primeiro capítulo, as origens e o surgimento deste gênero de música vocal, bem como a sua relação com o Papa São Gregório.
Papa e Doutor da Igreja, São Gregório Magno é celebrado pela Igreja Católica em 3 de setembro. Nascido em Roma no ano 540, veio a falecer em 604. Deixou um grande legado de obras, devido a sua inteligência, sabedoria e caridade, como por exemplo, a instituição do celibato, a introdução do Pai Nosso na Missa e o tradicional canto gregoriano, que será tema de estudo e aprofundamento histórico nesta série de três capítulos.
Origem do Canto Gregoriano
Antes de falar sobre a relação do Canto Gregoriano com São Gregório Magno, é preciso fazer um profundo estudo sobre a sua origem. De acordo com o maestro diocesano, ainda hoje não é possível precisar categoricamente sobre onde e quando surgiu o Canto Gregoriano.
¡°Entretanto, antes de realizarmos qualquer inferência sobre o tema, devemos partir da premissa que a expressão ¡°Canto Gregoriano¡± tem um significado além da simples referência ao ¡°gênero¡± musical praticado nos mosteiros pelo mundo e entoado por seus monges. A priori devemos ter em mente que ela diz respeito e está intimamente ligada à forma como as comunidades cristãs primitivas oravam, meditavam e escutavam da Palavra de Deus. Em suma, o Canto Gregoriano é ORAÇÃO¡°, explica.
Diego prossegue citando o argumento do Cônego ratisbonense Pedro Griesbacher, compreendendo que o início da liturgia católica tem início na Santa Ceia quando, após partir o pão e entregar o vinho a seus discípulos e, tendo Jesus cantado um Hino antes de partir para o Monte das Oliveiras, presume-se que este Hino entoado por Ele se tratava do que se chama no judaísmo de Hallel, isto é, Salmos (Sl. 113-118) utilizados para louvar e agradecer a Deus em festividades daquela religião.
¡°Partindo destas afirmações, podemos imaginar que possam existir semelhanças entre a forma que Jesus cantou na Santa Ceia e a forma que se cantam as salmodias nos tempos atuais uma vez que, juntamente com a entrada do Antigo Testamento na liturgia cristã, o modo de cantar judaico também tenha sido inserido na mesma. Em uma conhecida passagem da Carta de Paulo aos Efésios, é nítido o incentivo do Apóstolo ao canto dos cristãos primitivos quando diz: ¡°Não vos embriagueis com vinho -pois isto leva ao descontrole-, mas enchei-vos do Espírito: entoais juntos salmos, hinos e cânticos espirituais; cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração;¡± (Ef. 5, 18-19).
O Cristianismo e as liturgias
Diego aprofunda ainda mais o tema, ao destacar que tendo o Cristianismo mantido a cantilação dos Salmos e o Canto Gregoriano tendo sido parte integrante da liturgia desde o século IV (haja vista que o Credo data do I Concílio de Nicéia no ano de 325), este teve a influência da cultura e da língua grega no início do cristianismo (uma vez que os gregos gozavam de superioridade no que se referia às artes e à matemática em comparação aos romanos da época) e viveu e acompanhou o florescimento da liturgia na Igreja que em seus primórdios definiu uma forma estabelecida e convencionada de culto em oposição aos diferentes ritos que existiam à época do imperador Constantino.
¡°Esta convenção chegou à sua forma completa somente por volta do ano 1000 e a primeira edição oficial do Missal Romano apenas cerca de 600 anos depois no século XVI¡±, complementa.
Para fins históricos, o Prof. Dr. Clayton Dias diz que ¡°junto do florescimento de diversas liturgias, muitas delas ligadas a lugares específicos, florescem também cantos próprios e que acompanhavam tais liturgias tais como o galicano, moçarábico, aquilense, beneventano, ambosiano e o canto romano antigo. Do entrelaçamento do canto romano antigo com o canto galicano (romano-franco) surgiu o que seria então mais conhecido como Gregoriano.
Os demais foram ¡°suplantados¡± à medida em que, por imposição de Carlos Magno (à época imperador do Sacro Império Romano) em vista da unificação política, liturgia e canto se impunham por todo o Império.
Associação a São Gregório Magno
Contextualizada toda a pesquisa e conteúdo apresentado, chegamos ao ponto mencionado no início deste capítulo, ou seja, de elucidar a relação do Canto Gregoriano com o santo celebrado em 3 de setembro.
O maestro Diego Muniz constata que o Canto Gregoriano viveu diversas fases no que se refere à sua estética e, para manter suas características intrínsecas ao texto e favoráveis à oração, necessitou em alguns momentos de homens inspirados a reformá-lo.
¡°O primeiro que podemos denominar grande reformador foi Santo Ambrósio que, além de fazer a mediação entre o Ocidente e o Oriente compôs um grande número de melodias (utilizadas hoje no Rito Ambrosiano, característico da Arquidiocese de Milão). O segundo nome importante na história foi o Papa Gregório Magno, principal reformador por ter selecionado e compilado textos manuscritos do século VIII e IX que do século X em diante receberam notação musical e que, estando dispostos na ordem do calendário litúrgico gregoriano do século VIII, passaram a se chamar Canto Gregoriano¡±, salienta.
Além desse fato, há uma conhecida lenda que permeia a relação de São Gregório Magno com este repertório. A mesma diz que pelo fato de São Gregório ter promovido as reformas no culto, teria ele recebido do Espírito Santo em forma de pomba a inspiração para compor as melodias a partir daí chamadas de gregorianas, como afirma Diego.
¡°Esta lenda está ilustrada através de uma imagem do Antifonário de Hartker do Mosteiro Beneditino de Saint Gallen na Suíça onde vemos um escriba sentado à frente do Papa Gregório (este paramentado e posicionado em sua cátedra), escrevendo as melodias cantadas por ele. No ombro direito do Papa há a pomba do Espírito Santo, com o bico bem próximo ao seu ouvido sugerindo melodias¡±, finaliza.
* Diego Muniz é mestrando em música pela USP, bacharel em regência pela UNESP, tendo regido, entre outros, a Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo, Pro Coro do Canadá e Vancouver Chamber Choir.
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