Querida Amazonia: cardeal Orani Jo?o Tempesta
Cardeal Orani João Tempesta - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
O Santo Padre, o Papa Francisco, lançou neste dia 12 de fevereiro, a sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal, ¡°Querida Amazônia¡±. Proponho abaixo a reflexão sobre alguns tópicos desse documento.
Sentido desta exortação
O Santo Padre, o Papa Francisco, logo na introdução do documento quer evidenciar o sentido da Exortação, que não pretende substituir o documento conclusivo do sínodo, antes recomenda-se sua leitura integral: ¡°Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substituí-lo nem o repetir. (nº2) ¡°Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.¡±(nº3). Ressalta ainda que recorreu a referências a documentos das Conferências episcopais dos países que compõem a região amazônica como também a obras poéticas sobre a Amazônia¡±. O Papa, exorta que a dimensão global dos questões da Amazônia: ¡°atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.¡± (cf. nº 5).
Sonhos para Amazônia
O Papa Francisco expressa seus quatro sonhos para a Amazônia: luta pelos direitos e dignidade dos povos amazônicos marginalizados e oprimidos; preservação da riqueza cultural; proteção da beleza natural dos rios e florestas; comunidades cristãs encarnadas na Amazônia que deem à Igreja rostos novos (cf. nº 7)
CAPÍTULO I
UM SONHO SOCIAL
A intenção do Romano Pontífice neste capítulo é evidenciar que uma abordagem ecológica é também uma abordagem social, que estar sensível aos clamores da terra significa ao mesmo tempo estar atento aos clamores dos mais pobres e necessitados.
Injustiça e crime
A ação agressiva dos colonizadores e indústrias são culpados pela migração dos povos indígenas de suas terras, para regiões marginalizadas, a beira das cidades onde são assolados pela miséria e outros males: ¡°Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazônia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas.¡± (cf. nº 10) A ação colonizadora não devasta apenas a natureza, mas também a dignidade dos povos indígenas.
Indignar-se e pedir perdão
Neste ponto o Santo Padre nos recorda que devemos sempre nos indignar diante das injustiças e não só isto, também a necessário nosso pedido de perdão pela vezes em que fomos omissos conformando-nos com situações injustas, segundo ele: ¡°Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social [...] deveriam gerar uma profunda repulsa e ao mesmo tempo tornar-nos mais sensíveis para também reconhecer formas atuais de exploração humana, violência e morte. (cf. n.15) O papa ainda pede perdão pela vezes em que os missionários que deveriam evangelizar não estiveram atentos a necessidade dos oprimidos chegando até mesmo a compactuar com situações de exploração: ¡°Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez «peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América»¡± (cf. n.19).
Sentido comunitário
Os povos amazônicos possuem um forte sentido comunitário que muitas vezes é prejudicado justamente pela migração que são obrigados a realizar para os centros urbanos individualistas, diante disso devemos buscar ¡°«um novo sistema social e cultural que privilegie as relações fraternas, num quadro de reconhecimento e valorização das diferentes culturas e dos ecossistemas, capaz de se opor a todas as formas de discriminação e domínio entre os seres humanos».¡±(cf. nº22)
Instituições degradas
Como já diagnosticado pelo ¡°Instrumentum laboris do Sínodo, verifica-se «uma cultura que envenena o Estado e suas instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as comunidades indígenas¡±, da qual a cultura indígena não está alheia.(cf. n. 24)
Diálogo Social
Segundo o Papa Francisco o diálogo social deve não ver os pobres como preferenciais na opção social da Igreja, mas antes deve compreende-los como verdadeiros protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo «como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar. (cf. n.27)
CAPÍTULO II
UM SONHO CULTURAL
Poliedro amazônico
Observa-se na Amazônia uma grande diversidade de culturas cheias de riquezas e diversidades que devem ser valorizadas para se ¡°evitar de os considerar como «selvagens não-civilizados»; simplesmente criaram culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registraram um nível notável de desenvolvimento.¡±(cf. n. 29)
Cuidar das raízes
Exorta-se ainda aos mais jovens ¡°beberem das fontes¡±, valorizarem a tradição de seus antepassados, afim de ¡°evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios». [1] Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a «assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar»¡±. (cf. n.33)
Encontro intercultural
¡°As etnias que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim, far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida.¡± (cf. n.36)
Culturas ameaçadas, povos em risco
O Santo padre observa a importância fundamental de se respeitar em qualquer projeto para a Amazônia, a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que para o desenvolvimento dum grupo social se requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura.
CAPÍTULO III
UM SONHO ECOLÓGICO
Esse sonho feito de água
Há que se reconhecer a importância essencial dos rios da Amazônia fonte de fecundidade e da existência de vida, devem ser considerados como que colunas vertebrais que harmonizam e unem as regiões da Amazônia e donde provém todas forma de vida.
O grito da Amazônia
Devemos abrir nossos olhos para a realidade de que, nas condições atuais, com este modo de tratar a Amazônia, tanta riqueza de vida e de tão grande beleza estão «tomando o rumo do fim, embora muitos pretendam continuar a crer que tudo vai bem, como se nada acontecesse. ¡°Para cuidar da Amazônia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes.¡±(cf. n.51)
A profecia da contemplação
¡°Aprendendo com os povos nativos, podemos contemplar a Amazônia, e não apenas analisá-la, para reconhecer esse precioso mistério que nos supera; podemos amá-la, e não apenas usá-la, para que o amor desperte um interesse profundo e sincero; mais ainda, podemos sentir-nos intimamente unidos a ela, e não só defendê-la: e então a Amazônia tornar-se-á nossa como uma mãe.¡± (cf. no. 55)
Educação e Hábitos Ecológicos
Segundo o Papa a preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, faz com que a Igreja busque sempre mais prestar a sua contribuição para a educação dos povos em vista do cuidado e o crescimento da Amazônia.
CAPÍTULO IV
UM SONHO ECLESIAL
Anúncio indispensável na Amazônia
Segundo o Papa Francisco não podemos limitar-nos a uma mensagem social, mas como cristãos, não renunciamos à proposta de fé que recebemos do Evangelho, pois ¡°a autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica.¡± (cf. no. 63)
A inculturação
É preciso ater-se a um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazônicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho.(cf. no.66)
Caminhos de inculturação na Amazônia
Devemos partir da máxima de que ¡°Tudo isto deve ser valorizado e recebido na evangelização.¡± Do mesmo modo não podemos negligenciar que ¡°a inculturação eleva e dá plenitude. Sem dúvida, há que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência de todo o criado, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom, espiritualidade de sacra admiração perante a natureza que nos cumula com tanta vida.¡± (cf. n.73)
Inculturação social e espiritual
¡°Esta inculturação, atendendo à situação de pobreza e abandono de tantos habitantes da Amazônia, deverá necessariamente ter um timbre marcadamente social e caracterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos, fazendo resplandecer o rosto de Cristo que «quis, com ternura especial, identificar-Se com os mais frágeis e pobres»¡± (cf. n.75). Deste modo resplandecerá a verdadeira beleza do Evangelho, que é plenamente humanizadora, dá plena dignidade às pessoas e aos povos, cumula o coração e a vida inteira.
Pontos de partida para uma santidade amazônica
O sentido fundamental desse artigo está em reconhecer que a sensibilidade de ¡°um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir duma espiritualidade inculturada¡± (cf. n.79), de modo a se buscar uma forma de evangelizar mais próxima da cultura e realidade dos povos indígenas...
A inculturação da liturgia
A inculturação da liturgia (cf. 81-84). O Pontífice constata que já o Concílio Vaticano II havia solicitado um esforço de ¡°inculturação da liturgia nos povos indígenas¡±. Além disso, recorda numa nota do texto que, no Sínodo, ¡°surgiu a proposta de se elaborar um «rito amazônico»¡±. Os Sacramentos, exorta, ¡°devem ser acessíveis, sobretudo aos pobres¡±. A Igreja, afirma evocando a Amoris laetitia, não pode se transformar numa ¡°alfândega¡±.
A inculturação do ministério
Nestes dois pontos o Santo Padre trata da importância da Celebração Eucarística nas comunidades indígenas, apresenta sua sensibilidade para com as comunidades que sofrem com a escassez de sacerdotes e pouca frequência à Eucaristia, ao mesmo tempo ressalta a importância e a essencialidade do ministério ordenado porém que a solução pastoral não está em ampliar a possibilidade do sacerdócio mas sim na promoção de uma participação mais ativa do leigos: ¡°O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama a graça, antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida cristã.[2] Este é o seu grande poder, que só pode ser recebido no sacramento da Ordem. Por isso, apenas ele pode dizer: «Isto é o meu corpo». Há outras palavras que só ele pode pronunciar: «Eu te absolvo dos teus pecados»; pois o perdão sacramental está ao serviço duma celebração eucarística digna¡±.(cf. n.88) ¡°Os leigos poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns Sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles. Mas precisam da celebração da Eucaristia, porque ela «faz a Igreja»,[3] e chegamos a dizer que «nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima Eucaristia».¡±(cf. n.89)
Comunidades cheias de vida
É preciso valorizar os dons das comunidades locais, ¡°portanto não se trata apenas de facilitar uma presença maior de ministros ordenados que possam celebrar a Eucaristia. Isto seria um objetivo muito limitado, se não procurássemos também suscitar uma nova vida nas comunidades. Precisamos de promover o encontro com a Palavra e o amadurecimento na santidade por meio de vários serviços laicais, que supõem um processo de maturação ¨C bíblica, doutrinal, espiritual e prática ¨C e distintos percursos de formação permanente.¡± (cf. n.93)
A força e o dom das mulheres
O Santo Padre, a valorização da participação feminina na vida da igreja, e nos convida a não reduzir sua função a uma dimensão funcional: ¡°Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Jesus Cristo apresenta-Se como Esposo da comunidade que celebra a Eucaristia, através da figura de um varão que a ela preside como sinal do único Sacerdote. As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe. Deste modo não nos limitamos a uma impostação funcional, mas entramos na estrutura íntima da Igreja.(cf. n.103)
Ampliar horizontes para além dos conflitos
¡°O conflito supera-se num nível superior, onde cada uma das partes, sem deixar de ser fiel a si mesma, se integra com a outra numa nova realidade. Tudo se resolve «num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste».[4] Caso contrário, o conflito fecha-nos, «perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada».(cf. no. 104).
A convivência ecumênica e inter-religiosa
Diante de um contexto plural que se experimenta na Amazônia de vemos entender que a ¡°força do que une a todos os cristãos têm um valor imenso. Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o cômodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo. ¡±(cf. no .108)
Conclusão
A MÃE DA AMAZÔNIA
Por fim Papa conclui a exortação voltando-se para Maria a Mãe que Cristo nos deixou, que embora seja a única Mãe de todos, manifesta-Se de distintas maneiras na
Amazônia e eleva-lhe uma prece.
Vamos acolher, com religioso obséquio, o que nos pede o Papa Francisco e sejamos generosos, clérigos e leigos, em voltar o nosso olhar evangelizador para ¡°A Querida Amazônia¡± que espera nossa solidariedade na sua evangelização! Que Nossa Senhora de Nazaré, de seu trono sagrado de Belém do Pará, nos ajude nessa missão em nome de Cristo e da Igreja!
[4] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 228: AAS 105 (2013), 1113.
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