Oitavo domingo do Tempo Comum: "A boca fala do que o coração está cheio"
Padre Hallison Parro - Cidade do Vaticano
A liturgia deste domingo introduz novamente alguns versículos do Discurso da Planície (Lc 6,20-49), proclamado por Jesus aos seus discípulos e às multidões (Lc 6,17-19.20) que assumem a condição de futuros destinatários da pregação apostólica. Esse discurso tem uma característica universal, pois, ainda que os interlocutores preferenciais de Jesus sejam os seus discípulos, Lucas faz questão de enfatizar a presença de pessoas provenientes do judaísmo (território da Judeia e de Jerusalém) e do paganismo (litoral de Tiro e Sidônia). Nessa perspectiva, o evangelista constrói, narrativamente, o quadro de sua comunidade, constituída por pessoas provenientes de ambas as realidades sociais (Atos dos Apóstolos).
Como leitores e ouvintes do evangelho, a liturgia nos proporcionou a oportunidade de escutar as quatro bem-aventuranças (6,20-23) e as quatro ameaças de Jesus (6,24-26) no 6º Domingo do Tempo Comum. Desse modo, pudemos identificar quatro antíteses fundamentais: pobres e ricos (6,20b.24), pessoas famintas e saciadas (6,21.25a), pessoas que choram e que riem (6,21a.25b), discípulos perseguidos e elogiados (6,22-23.26).
Os bem-aventurados da comunidade lucana são os discípulos, que, tal como Jesus, se inserem numa tradição profética. Por outro lado, diante da possibilidade do futuro julgamento de Deus, um determinado grupo de discípulos é convidado, de maneira especial, à conversão, por meio da solidariedade com os pobres e sofredores.
No último domingo litúrgico, escutamos Lc 6,27-38. Nos versículos 27-35, Jesus propôs uma nova atitude para os seus discípulos diante da conduta dos inimigos e dos autores físicos e morais da violência. Na perspectiva do Senhor, os cristãos devem antecipar-se na prática da caridade, por meio de quatro ações: Amar; Fazer o bem; Bendizer; Orar, contrapondo-se aos que odeiam e fazem o mal à comunidade (6,22).
Oitavo Domingo
Após essa bela caminhada, a liturgia deste 8º Domingo nos apresenta uma parábola e um convite à vitória sobre a hipocrisia (Lc 6,39-45). Lucas exorta os membros de sua comunidade, que se consideram superiores ou melhores em relação ao próximo, a renunciarem a qualquer tipo de atitude soberba. Analisemos mais detalhadamente o evangelho de hoje, para que isso fique bem evidente para todos nós:
a) vv.39-40: o versículo 39 tem a função de introduzir a terceira parte do Discurso da Planície (v.20-26; 27-38; 39-49). Jesus apresenta duas perguntas retóricas aos seus interlocutores: a primeira pergunta (“Pode um cego guiar outro cego?”) exige uma resposta negativa; a segunda (“Não cairão os dois num buraco?”) pressupõe, por sua vez, uma resposta afirmativa. Lucas aplica aos discípulos o que Mateus pensava sobre os fariseus (Mt 15,14). O evangelista quer demonstrar à sua comunidade a gravidade do comportamento irresponsável de quem faz de si mesmo juiz do outro (v.40). Na relação comunitária e interpessoal, o critério é sempre o exemplo de Jesus, uma vez que todo cristão deve imitar as atitudes de seu Senhor.
b) vv.41-42: ambos os versículos apresentam novamente duas perguntas retóricas, que, nesse caso, são diretamente dirigidas aos interlocutores de Jesus, por meio da 2ª Pessoa Singular (tu). Enfatiza-se, em primeiro lugar, a necessidade de um autoconhecimento e de uma percepção pessoal sobre os próprios limites existenciais (v.41). O discípulo é exortado a fazer uma autocritica sobre suas ideias e posturas diante do irmão, para evitar pretender ter o discernimento e a solução dos problemas da vida alheia, quando, na realidade, não dispõe dessa capacidade. Portanto, “ter uma trave no próprio olho” significa que não basta ter apenas boas intenções, se existe uma cegueira existencial, que torna tanto o olhar (a percepção do mundo e do outro) quanto a palavra altamente prejudiciais para a convivência fraterna.
c) vv.43-45: Jesus usa uma parábola do mundo agrícola (43-44) e a sua respectiva aplicação (45). Ambas as imagens são provenientes do Primeiro Testamento (Jr 2,21). Os frutos são uma metáfora, por meio da qual os profetas indicavam as consequências das ações humanas (Pr 1,31; Jr 17,10; Os 10,13). De fato, o agricultor, por sua experiência, é capaz de reconhecer e de distinguir os frutos comestíveis (figos, uvas) dos simples produtos dos arbustos infrutíferos (espinheiros e plantas espinhosas).
Por isso, o evangelho de hoje afirma que as grandes decisões e atitudes da vida de uma pessoa têm sua origem no coração, sede da consciência humana e centro da personalidade. Na concepção antropológica bíblica, as palavras e as atitudes revelam a identidade da pessoa. No modo de dirigir-se ao outro, o discípulo deve tirar de sua interioridade o tesouro de uma vida de imitação e de amizade com Jesus. Isso é fundamental para uma comunidade cristã que se recusa a constituir, em sua prática, um grupo de pessoas superiores e outro de inferiores, com o único desejo de controlar a vida e a experiência de fé alheia.
Para refletir
O poder construtivo e destrutivo da palavra humana: à luz da primeira leitura (Eclo 27, 5-8), o homiliasta pode levar os seus ouvintes ao reconhecimento da necessidade do cuidado pessoal em relação ao modo e ao conteúdo de suas conversas e de seus comentários em relação à vida alheia por meio das seguintes perguntas:
Unir-se ao coração misericordioso do Pai:
Viver como discípulo transformado pela ressurreição de Jesus:
Um santo domingo a todos!
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