Arte na liturgia. P. Rupnick: convidativa, não invasiva e humilde
Rui Saraiva - Porto
“Cidade de Deus e dos homens” é o nome do Centro Paroquial de Canidelo, em Vila Nova de Gaia na diocese do Porto, que foi inaugurado no dia 28 de maio de 2017 na presença de D. António Francisco dos Santos, o saudoso bispo do Porto que faleceu no passado mês de setembro.
Junto a esse Centro Paroquial vai nascer uma nova igreja que vai contar com a colaboração artística do padre Marko Rupnick. O sacerdote jesuíta, famoso pelas suas obras em mosaico ao serviço da liturgia, esteve na diocese do Porto no passado dia 4 de janeiro. Visitou os terrenos da futura obra, teve reuniões de trabalho e proferiu uma conferência na Biblioteca do Seminário Maior do Porto sobre arte e liturgia. Arranjou tempo ainda para um curto encontro com os jornalistas.
O padre Marko Rupnick afirmou nesse encontro com os media sentir um bom ambiente de trabalho com os arquitetos responsáveis pelo projeto da nova igreja. Um ambiente vivido em diálogo e disponibilidade para a colaboração. Mais uma razão que se vem somar a outras, dos tempos em que trabalhou em Fátima na Basílica da Santíssima Trindade e que fazem sentir o padre Rupnick como um “parente” dos portugueses. “Sinto-me muito familiar com os portugueses” – disse o sacerdote.
“Desde que fui chamado a trabalhar em Fátima, pode parecer estranho, mas sinto-me muito familiar com os portugueses. Como se fôssemos parentes e digo-o seriamente. Sinto que há um bom entendimento. Eu sinto-me assim. Portanto, acolhi com muita alegria esta colaboração.”
O padre Rupnick disse ainda que para desenvolver os seus trabalhos vai buscar inspiração aos “encontros com as pessoas” e assinalou que o modo como se está a fazer este projeto na diocese do Porto é algo de importante e belo:
“Já o modo como se está a fazer o projeto da Igreja no meu parecer é já algo de importante e belo. Hoje estamos ainda numa cultura do triunfo do indivíduo. Ao invés, encontrei aqui os arquitetos Miranda que têm disponibilidade para o diálogo e de procurar trabalhar em conjunto. E isto é algo que promete. Pois não há uma emergência do indivíduo mas uma convergência. E isto é algo muito belo. Perguntou-me onde irei buscar inspiração para este projeto. Bem, até hoje todas as inspirações vieram-me dos encontros com as pessoas. E por isso quando me chamam eu venho. Nunca vou sozinho, não me proponho eu, mas respondo a um chamamento. E se há um chamamento haverá também uma inspiração.”
Mas qual é a importância da relação entre a arte e a liturgia? E a arte no espaço litúrgico pode levar-nos mais facilmente a Deus? Eis as respostas do padre Marko Rupnick a estas questões:
“Digamos que o divórcio entre a arte e a Igreja é muito doloroso. Paulo VI fez na Capela Sistina há tantas décadas atrás um discurso muito sofrido sobre este divórcio entre a arte e a Igreja. Um divórcio que fez danos a ambas. À arte, a Igreja ofereceu sempre a vida. Porque a Igreja oferecia aos artistas uma vida no Espírito, uma vida que permanece. E a arte e o artista oferece à Igreja uma expressão desta vida como beleza. Como qualquer coisa que é apelativa e que fascina. Que pertence só a este mundo. E este divórcio é muito doloroso porque hoje a arte arrisca-se a ser só uma questão de forma e de expressão. Mas a questão é: qual a vida que se comunica. E a Igreja tornou-se numa organização de projetos, de abstrações racionalistas, de moralismos. Tornamo-nos bons mas não somos belos. O mundo pode até aplaudir-nos, a nós católicos, dizendo que somos bons mas não nos segue. Porque não somos fascinantes. A arte está sempre ligada à vida: à vida biológica, à vida psíquica e intelectual e à vida segundo Deus. E esta última integra as outras duas. Faz ver o homem na sua imagem definitiva, naquela que permanece. A arte só biológica, a vida só biológica não exprime todo o homem. Aquilo que permanece é o homem de Cristo.”
“A arte na liturgia é como a liturgia, nunca está completa. Porque da parte do homem nós apresentamos a oferta. Mas não está completa a oferta, tem que vir o Espírito Santo. E isto é muito belo, pois o homem não pode fazer de si mesmo uma obra completa, uma perfeição. É Deus quem aperfeiçoa, é Deus quem cumpre em nós aquilo que fica depois da morte. Não deve ser uma arte completa, porque pode fascinar mas aborrece. Tem que ser uma arte que convida, que nos faça curiosos, que não seja invasiva mas humilde.”
O padre Marko Rupnick acabou de publicar um livro com o título “Segundo o Espírito”, uma obra sobre a teologia espiritual no magistério do Papa Francisco. Também sobre isto falou neste encontro com os jornalistas na diocese do Porto:
“Este livro faz parte de um bloco de 11 teólogos, de todo o mundo, que foram escolhidos para mostrar como pensa a teologia neste magistério do Papa Francisco. E a mim pediram-me a teologia espiritual. E eu nesse livro procuro mostrar como deveria pensar a teologia espiritual se segue a Igreja de Francisco, ou seja, a Igreja em saída, a Igreja que sai de si mesma, a Igreja relacional, a Igreja onde na relação o outro torna-se o epicentro e não eu. Tomo como figura-chave Abraão que sai de casa, deixa o pai, deixa a pátria. Esta existência segundo a natureza das coisas. A família tem-na qualquer criatura viva, mesmo os animais. Mas o homem não vive segundo a própria natureza, mas segundo um modo de viver que recebe de Deus, que é relacional, é de amor e de livre relação. Todas as outras criaturas têm relações segundo a lei da sua natureza, o homem tem relações livres. E isto recebe de Deus. A vida espiritual começa quando eu descubro que a minha existência é relacional.”
Esloveno, de 63 anos, o padre Rupnick formou-se em Belas Artes, em Roma, assim como em Teologia, doutorando-se na Universidade Gregoriana, com especialização em Missiologia. Em 1991 assumiu a responsabilidade do Centro Alleti, para a promoção da arte sacra, congregando artistas tanto de tradição ortodoxa como de tradição católica de rito latino. Dedicando-se por inteiro, a partir de 1996, à atividade artística litúrgica, concluiu em 1999 a decoração da Capela “Redemptoris Mater”, no Vaticano, desejada por João Paulo II, inspirada na tradição iconográfica oriental.
O maior conjunto dos seus mosaicos encontra-se na nova Basílica de Santo Padre Pio, em San Giovanni Rotondo, no sul da Itália (2009). Bem conhecida também a decoração da fachada da antiga Basílica do Rosário, em Lourdes, assim como os mosaicos da Catedral da Almudena em Madrid e os santuários de João Paulo II, em Cracóvia e em Washington.
Em Portugal, a obra mais conhecida é o extenso painel, em mosaico, da Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, embora existam também algumas outras intervenções suas em capelas de casas religiosas. E agora irá surgir na diocese do Porto mais uma intervenção artística do padre Rupnick numa nova igreja em Portugal.
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