Lilica Boal: Mulher imprescind¨ªvel nas lutas pelas independ¨ºncias
Dulce Araújo - Pope
Foram muitas as mulheres que tomaram parte na luta pela libertação da África do jugo colonial. Maria da Luz Boal, conhecida por Lilica Boal, foi uma delas. Deu um contributo valioso sobretudo no domínio da educação, tanto antes como depois da luta de libertação, tendo sido diretora da Escola-Piloto, criada, por iniciativa de Amílcar Cabral, nas zonas libertadas da Guiné-Bissau para educar os filhos dos combatentes e preparar futuros quadros da Guiné e Cabo Verde.
Lilica aderiu à causa da libertação ainda jovem, tendo de deixar a filha com menos de dois anos, para se juntar aos combatentes liderados por Amílcar Cabral, cujo primeiro centenário de nascimento se celebra este ano.
Um sacrifício que valeu a pena - dizia-nos a Lilica numa entrevista, em julho de 2004, para a rubrica "África. Vozes Femininas". Regozijava-se pelos progressos feitos em Cabo Verde, particularmente no domínio da educação, e exprimia a sua amargura pelas dificuldades por que passavam nessa altura a Guiné-Bissau e Angola.
Dizia também ter saudades da solidariedade, amizade, abnegação, dos tempos da luta, e exprimia o orgulho de ter participado na gesta de libertação. E mesmo que essa sua participação (como a de tantas mulheres) não fosse devidamente reconhecida, ela considerava que era indelével e que tinha marcado todo o percurso da sua vida.
Instada a falar de eventuais aspetos do grande projeto de libertação e desenvolvimento não realizados como, por exemplo, a rutura do sonho de unidade Guiné-Cabo Verde, acalentado por Amílcar Cabral, ela afirma que ele tencionava submeter isso à vontade dos dois povos, após a independência, e que, de qualquer maneira, essa unidade se estava a manifestar doutras formas também interessantes.
Programa "África. Vozes Femininas" de 11/7/2004
O legado de Lilica Boal é enorme, representa o sucesso da luta e da independência, abrangendo ambas as experiências da Guiné e de Cabo Verde. O excelente trabalho que ela realizou no domínio da educação faz dela um símbolo do ideal da independência, pois, Amílcar Cabral concebia a educação para todos como um pilar fundamental da emancipação dos povos africanos - afirma a historiadora guineense, Patrícia Godinho Gomes que, ainda criança, conheceu Lilica Boal e mais tarde interloquiu com ela em vista dos seus trabalhos de doutoramento sobre a criação duma nova sociedade a partir da ação do PAIGC na Guiné-Bissau.
Esta investigadora e membro da CODESRIA (Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África) considera que tanto Cabo Verde como a Guiné-Bissau devem pôr por escrito a história da combatente Lilica Boal, assim como de tantas outras suas companheiras, uma história que está essencialmente por escrever, pois o contributo das mulheres tende muitas vezes a não ser levado em consideração na escrita da história. É preciso fazer jus à história Felizmente, há jovens preparados a debruçar-se sobre isso, o que lhe dá muita alegria, ela que vem trabalhando neste domínio desde há anos. Aliás, ainda no dia 13 /11/2024 participou num seminário organizado pela Pontifícia Universidade Católica de Rio de Janeiro, sobre "Amílcar Cabral: 100 anos de pensamento, ação e libertação" em que apresentou uma comunicação sobre "As mulheres guineenses a partir da luta de libertação e do pensamento de Amílcar Cabral". Ocasião em que enalteceu o exercício das mulheres guineenses na política e a herança dessa experiência para a Guiné de hoje. A seu ver, é preciso conhecer a história e confrontar, como fazia Amílcar Cabral, as nossas ideias com as de outras pessoas e com a realidade, para se chegar às conclusões e às ações mais adequadas. E para o conhecimento da História, também Lilica Boal deu um grande contributo através das várias entrevistas que concedeu sobre o seu percurso. Quanto a Cabral, Patrícia Godinho considera-o o melhor historiador da Guiné e de Cabo Verde.
O exemplo de Lilica Boal - salienta, por sua vez, o poeta, ensaísta e editor, Filinto Elísio, na sua crónica, citando a Associação dos Combatente da Liberdade da Pátria, "constitiu, sem dúvida, um honroso património que Cabo Verde [e a Guiné-Bissau] particularmente as suas mulheres devem ostentar com orgulho".
Crónica que reproduzimos aqui na íntegra e que está contida também na emissão "África em Clave Cultural: personagens e e eventos" de quinta-feira, 14 de novembro 2024, que foi dedicada a Lilica Boal.
Leia a Crónica de Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) sobre Lilica Boal
Lilica Boal ¨C Uma mulher imprescindível na luta pelas independências africanas
"Destacada figura da luta pelas independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, Lilica Boal faleceu no passado dia 6, aos 90 anos de idade, na cidade da Praia.
Não foi apenas uma militante de referência na luta anticolonial em África, respondendo ao apelo de Amílcar Cabral, mas a primeira parlamentar do Estado de Cabo Verde e o exemplo de notável militância em prol da Educação e da Solidariedade Social.
Nasceu em 1934, na então vila portuária do Tarrafal, ao norte da ilha de Santiago, filha de pais comerciantes, Dona Eulália Andrade, mais conhecida por Nha Beba e José Freire Andrade, conhecido por Nho Papacho.
Passou a infância no Tarrafal, a adolescência no Mindelo como estudante no Liceu Gil Eanes. Termina os estudos secundários, na cidade de Braga, em Portugal. Ingressa a Faculdade de Letras Histórico-Filosóficas, da Universidade de Coimbra, onde conhece o seu companheiro, o nacionalista angolano Manuel Boal, com quem casou em 1958. Passa a ser conhecida por Lilica Boal.
Dois anos depois inscreve-se para licenciatura em história e filosofia na Universidade de Lisboa. Frequenta ativamente a Casa dos Estudantes do Império onde germinava os ideais das independências africanas. A Casa era o berço em Portugal do nacionalismo das ex-colónias.
Em junho de 1961, Lilica e Manoel Boal integram o grupo de estudantes africanos que protagonizou uma famosa fuga de Lisboa para Paris, de onde seguiram para se juntarem aos movimentos de libertação, na Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique. É a fuga para a luta.
Durante a luta pela independência, ela residiu em Dakar, no Senegal, onde se dedicou a mobilizar cabo-verdianos para a luta, e em Conacri, capital da Guiné-Conacri, quartel-general do PAIGC, bem como como em Bassorá, na então Guiné Portuguesa. Em Conacri, também trabalhou na reciclagem e formação de professores durante as férias.
Em 1969, ela foi escolhida por Amílcar Cabral para dirigir a Escola Piloto do PAIGC, em Conacri, para acolher os filhos e órfãos dos que estavam na linha de combate e preparar os quadros para o pós-independência.
Integrou nesse período a direção da União Democrática das Mulheres, sendo responsável pelas relações internacionais.
Entre 1974 e 1979, foi diretora do Instituto Amizade do PAIGC, na Guiné-Bissau, e mais tarde foi para o Ministério da Educação como diretora-geral da coordenação. Entre 1979 e final de 1980 foi diretora-geral da coordenação do Ministério da Educação guineense.
Em 1980, com o golpe de Estado de 14 de novembro, regressa a Cabo Verde e trabalha como inspetora-geral da educação. Posteriormente, inicia funções no Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade até reformar-se.
Lilica Boal deixa um grande legado na educação, na resistência anticolonial e na cidadania. O seu exemplo, diz o comunicado da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria: ¡°constitui, sem dúvida, um honroso património que Cabo Verde e particularmente as suas mulheres devem ostentar com orgulho".
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