Cardeal Ambongo: 2024 seja de respeito e dignidade para a ?frica
Françoise Niamien - Cidade do Vaticano
Nesta entrevista ao Pope, o Cardeal Fridolin Ambongo, Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SCEAM), fala do trabalho realizado pelo SCEAM ao longo do ano 2023. A atualidade social e política no continente, a participação africana na JMJ em Lisboa; e a primeira sessão da Assembleia Geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, realizada de 4 a 29 de outubro de 2023, no Vaticano, e ainda a declaração Fiducia supplicans, publicada a 18 de dezembro pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, são os pontos enfrentados pelo Arcebispo de Kinshasa nesta entrevista.
Em fevereiro de 2023, o Sr. Cardeal sucedeu ao falecido Cardeal ganês, Richard Kuuwiya Baaobr, à cabeça do SCEAM. Após um ano de presidência, que avaliação faz?
Este ano de 2023 que se encerra foi, para nós, um ano de felicidade, com a visita apostólica do Santo Padre em solo africano, particularmente na República Democrática do Congo, com a forte mensagem de encorajamento que nos transmitiu e que continuamos a explorar. Da República Democrática do Congo, o Papa foi a Juba, no Sudão do Sul, um país que, tal como a RDC, sofre pela guerra. Portanto, essa visita foi verdadeiramente um momento de grande conforto para estes dois povos. Para a vida da Igreja, foi como se já tivéssemos empreendido o caminho do processo da sinodalidade. E o trabalho que fizemos, sobretudo durante este ano, foi o de acompanhar, exortar os nossos irmãos e irmãs em África, a entrar neste processo de sinodalidade para o futuro da nossa Igreja em África, para que ninguém se sinta abandonado.
Em 2023 houve a aprovação do plano estratégico do SCEAM 2022-2025. A que ponto está o plano hoje?
O plano estratégico é como que uma bússola para a pastoral em África. Inclui vários pontos, nomeadamente o plano de consolidação das nossas estruturas a nível africano. Está demonstrado que falamos muito da Igreja de África, mas há muitos bispos que não sabem muito sobre o Simpósio das Conferências Episcopais de África e de Madagáscar. Para alguns, parece uma realidade distante. A 19ª Assembleia Plenária do SCEAM, realizada de 25 de julho a 1 de agosto em Acra, no Gana, centrou-se sobre a questão da apropriação do SCEAM como ferramenta pastoral.
O primeiro eixo do nosso trabalho foi fazer do SCEAM um poderoso instrumento de evangelização para todas as Igrejas em África. E isto envolve contatos, encontros, visitas entre nós, para que nos possamos conhecer melhor uns aos outros e conhecer as realidades sócio-pastorais das nossas Igrejas particulares. Isto ajudar-nos-ia a reunir os nossos meios de ação.
Em 2023, nos limitamos a lançar o plano estratégico. Logo depois, em outubro, fomos a Roma para a primeira assembleia do Sínodo sobre a Sinodalidade. É preciso reconhecer que estivemos muito ocupados na preparação do Sínodo durante o ano pastoral 2022-2023 que terminou há pouco tempo.
Quais são os caminhos que o SCEAM conta empreender no sentido de fortalecer a fé dos fiéis católicos em África e de um melhor conhecimento da sua Igreja?
Se o SCEAM existe, é antes de tudo para a evangelização, para o aprofundamento da fé dos nossos fiéis. Trata-se sobretudo de transformar os nossos fiéis em ¡°pessoas adultas¡± na fé. Mas hoje, como todos sabem, a África é atravessada por todos os tipos de correntes de pensamento. Há a pressão do Islão, há a das novas Igrejas, chamadas de ¡°Igrejas do Reavivamento¡± ou ¡°Igrejas Evangélicas¡±, que exercem uma forte pressão sobre os nossos fiéis, propondo-lhes, por vezes, um evangelho da prosperidade.
Dada a miséria do nosso povo, há quem sucumbe a este tipo de aliciamento. É por isso que o nosso Simpósio se propôs estudar, através da Comissão de Evangelização, como ajudar os nossos fiéis em África a descobrir a sua particularidade e sobretudo a criar neles o orgulho de serem católicos, porque quando uma pessoa tem orgulho da sua fé, não precisa de olhar para outras situações.
Estamos apenas no início, e como referiu, já tínhamos começado, mas estivemos mais focados na preparação para o Sínodo. Estamos, porém, a avançar com outros aspetos teológicos, litúrgicos e pastorais para ajudar a aprofundar a fé dos nossos fiéis.
Qual foi o compromisso social da Igreja em África em 2023?
A Igreja em África ainda está no centro da vida do seu povo. Ela não é indiferente às experiências do seu povo que tanto sofre. E a Igreja assumiu a missão de acompanhar o seu povo no seu sofrimento, na sua pobreza, na sua miséria, dando-lhe motivos de esperança. E a Igreja sempre fez esse trabalho. Mas desde o ano passado, depois da visita do Papa e da forte mensagem que dirigiu aos africanos, temos tentado fazer com que, através da nossa Comissão de Justiça, Paz e Desenvolvimento, essa mensagem possa ser atuada em cada Conferência Episcopal, se possível em cada país.
Naturalmente, as realidades variam de um país para outro, de uma região para outra. Há Conferências Episcopais mais envolvidas, outras um pouco menos. Felicito a do Gabão, à qual agora é pedido que ajude o país no diálogo entre os gaboneses. Esse é realmente o papel da Igreja: ajudar as pessoas a falar umas com as outras e a promover a causa do povo.
Na República Democrática do Congo, estamos envolvidos neste trabalho, com a observação eleitoral. Acreditamos que é responsabilidade da Igreja desempenhar este papel na sociedade.
Estou convencido de que a Igreja está a cumprir verdadeiramente a sua missão profética ao fazer aquilo que está a fazer em África. E, no geral, a Igreja católica em África é vista como um organismo que dá esperança a um povo que, doutra forma, ficaria desanimado. Então, na nossa opinião, tudo o que está a ser feito, todas as iniciativas que estão a ser tomadas aqui e ali, são iniciativas que vão na direção certa, mas que devemos tentar harmonizar a partir deste mesmo espírito de sinodalidade para que possamos apoiar uns aos outros.
Por exemplo, a Conferência Episcopal Gabonesa deve sentir-se apoiada pelo SCEAM na sua iniciativa de reconciliação do povo gabonês.
O mesmo se aplica aos bispos da sub-região dos Grandes Lagos, composta pelo Ruanda, pelo Burundi e pela República Democrática do Congo, que nem sempre se encontram numa situação de confiança ou de paz. Por esta razão, os bispos destes países tomaram iniciativas para o bem dos seus povos.
Enquanto os políticos se digladiam entre eles, nós, a nossa preocupação são as pessoas. Como podemos reunir essas pessoas em confiança para que possam se encontrar e rezar juntas? São estas as iniciativas que estamos atualmente a encorajar a nível continental.
Em agosto de 2023 houve a JMJ em Portugal. O que retém acerca da participação africana e o que diria sobre as Jornadas Mundiais Africanas da Juventude, organizadas no continente?
Foi uma alegria para nós, pastores de África, liderar delegações a esse grande encontro global de jovens. Infelizmente, houve uma fraca participação africana, ao contrário de outros continentes. E, na minha opinião, foi uma deceção. Naturalmente, aceitamos as razões que estão sempre ligadas à emissão de vistos e ao risco de alguns destes jovens ali permanecerem irregularmente. Como pastores, estamos tristes e desolados.
É por isso que, tirando lições dessa fraca participação, acreditamos que, para além da JMJ organizada a nível global, podemos também pensar em organizá-las a nível diocesano ou mesmo nacional para permitir que mais jovens vivam a mesma experiência que os seus irmãos e irmãs.
Organizar Jornadas Mundiais da Juventude em África seria o ideal. Mas o problema será o custo da organização. Estamos a pensar nessa possibilidade, estamos a tentar ver o que pode ser feito nesse sentido, mas o nosso desafio continua a ser o custo.
O que acha da participação africana na primeira assembleia do Sínodo sobre a Sinodalidade durante o mês de outubro, em Roma?
Estou muito orgulhoso pela participação africana na primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade. Éramos mais de 60 bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, idos da África. A nossa participação fez-se sentir em questões que nos interessam de forma particular, sobretudo a miséria dos nossos povos; a questão da justiça social, da justiça económica e também algumas situações de angústia que os nossos fiéis vivem, especialmente os casos de famílias polígamas, etc... Mas, ficámos muito felizes por todas estas preocupações terem tido eco a nível do Sínodo.
Em preparação para a segunda fase do Sínodo em 2024, já estamos a trabalhar em todas as questões que ficaram em aberto nos documentos de síntese. E nos encontraremos novamente depois da Páscoa, em Nairobi, no Quénia, para uma espécie de pré-sínodo. Esta reunião será uma oportunidade para nós, africanos, pormos juntas as nossas ideias para esta segunda sessão com elementos mais maduros e ponderados que poderemos partilhar com os nossos irmãos e irmãs.
A 18 de dezembro de 2023, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a Declaração Fiducia supplicans que continua a provocar fortes reações, especialmente no Continente africano. Como Presidente do SCEAM, pediu, através duma carta, aos vários Presidentes das Conferências Episcopais que lhe enviassem as suas diferentes opiniões para uma resposta sinodal. Qual é a razão deste pedido?
Imediatamente após a publicação dessa Declaração, houve uma reação de cólera e deceção por parte dos nossos fiéis africanos. Eu mesmo recebi muitas mensagens de nossos fiéis perguntando se este documento foi assinado pelo Papa Francisco.
Além disso, notei imediatamente que algumas Conferências Episcopais já tinham começado a fazer declarações de rejeição de Fiducia supplicans.
É por isso que, na minha qualidade de Presidente do SECAM, quis que a Igreja em África tivesse uma só voz. A reação registada a nível de todo o continente, é que podemos sempre, no espírito da sinodalidade, harmonizar os nossos pontos de vista e apresentá-los à Santa Sé de forma organizada.
E nessa carta o senhor Cardeal pôs em realce a ambiguidade desta declaração que se presta a numerosas interpretações e manipulações que suscitam muita perplexidade entre os fiéis. Como se explica essa ambiguidade?
Do ponto de vista pastoral, o documento criou muitos mal-entendidos e incompreensões que chocam os fiéis na sua fé. Além de presidente do SCEAM, sou também membro do C9, o Conselho dos Cardeais, conselheiros do Santo Padre. Portanto, espero encontrar um momento, o mais breve possível, a fim de ir a Roma e me encontrar com quem de direito para obter alguns esclarecimentos.
Eminência, quais são os seus desejos para África neste novo ano?
Só posso desejar tudo de melhor que se possa imaginar para o sofredor povo africano. E o melhor desejo para mim é que estas pessoas, em geral, possam finalmente viver em paz, em segurança total, com serenidade e confiança. Desejo um ano de fraternidade para essas pessoas que sofrem e que continuam a sofrer. É por isso que peço, e é nossa responsabilidade, que a Igreja esteja sempre ao lado deste povo para o acompanhar na sua procura de libertação, no caminho de uma maior consideração e dignidade para todos os homens e mulheres que habitam este continente.
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