I e II Congressos de Artistas e Escritores Negros - 1956 e 1959
Dulce Araújo - Pope
A iniciativa foi do intelectual senegalês, Allioune Diop, fundador da Editora e da Livraria "Présence Africaine" com sede em Paris.
Foram muitos os escritores e artistas negros de todos os quadrantes da África e da diáspora que neles participaram, incluindo a África de língua oficial portuguesa, como fica patente na crónica de Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) que evoca a influenciação das antigas figuras nacionalistas da Casa dos Estudantes do Império na movida que conduziu aos Congressos.
Leia aqui a crónica:
"O Congresso de Artistas e Escritores negros, cuja primeira edição aconteceu em Paris de setembro de 1956, foi reconhecido pela UNESCO como o marco irreversível da ativa presença africana na cultura mundial.
Organizado pelo escritor senegalês Allioune Diop, fundador da editora "Présence Africaine", o Congresso fora apadrinhado pele filósofo francês Jean-Paul Sartre, pelo escritor franco-argelino Albert Camus, pelo escritor francês André Gide, o pintor espanhol Pablo Picasso e a diva haitiana, a cantora e dançarina Joséphine Baker.
Os três históricos dias do certame, no Anfiteatro Descartes da Universidade de Sorbonne, reuniram dezenas de escritores, artistas e pensadores africanos, afro-americanos e afro-europeus e, obviamente, o olhar do mundo sobre o potencial da cultura negra para configurar a cultura universal.
Assim, nas sessões plenárias e nas mesas redondas participariam figuras como o poeta senegalês Leopold Sédar Senhor, o poeta martiniquense Aimé Cesaire, o escritor nigeriano Wole Soyinka, o psiquiatra martiniquense Frantz Fanon, os escritores norte-americanos James Baldwin e Richard Wright, o historiador senegalês Cheik Anta Diop, o escritor maliano Amadou Hampaté Ba, a poeta cubana Nancy Morejón, o pensador malgaxe Édouard Andriantsilaniarivo e o intelectual angolano Mário de Andrade, entre outros.
As grandes linhas de reflexão e dos debates centravam-se na valorização da cultura produzida por africanos e afrodescendentes, assim como a alienação e o ostracismo cultural a que as africanidades estavam devotadas devido ao sistema mundial, de matriz ocidental, através do colonialismo e do imperialismo.
Algumas intervenções mais emblemáticas abordaram o racismo e a estrutura de quebra de referências das identidades e das culturas negras. A definição de que a relação colonial, a par da expropriação e do saque, objetiva a subalternização dos esquemas culturais do colonizado. Foi um enorme e transcendente momento de (re)construção e de (re)formulação de discursos que giravam em torno do lugar da cultura negra e do Movimento Négritude na nova ordem mundial, após o fim da II Guerra Mundial.
O impacto do I Congresso
O impacto do I Congresso de Escritores e Artistas foi grande e determinou diretamente a superestrutura das posições anticoloniais nos anos Cinquenta e Sessenta, assim como a primeira leva da descolonização da África e o afrontamento anticolonial dos povos, então colonizados por Portugal, em que o regime do Estado Novo, de matriz fascista, recusava a autodeterminação e a independência das suas possessões ultramarinas.
Claramente, apercebe-se a influenciação entre a movida que levara ao I Congresso e os antigos estudantes nacionalistas africanos em torno da Casa dos Estudantes do Império e no Centro de Estudos Africanos, em Portugal, na segunda metade dos anos 40 e a segunda dos anos 50, como Amílcar Cabral, Alda de Espírito Santo, Mário de Andrade, António Agostinho Neto, Noémia de Sousa e Marcelino dos Santos, entre outros, todos intelectuais e estudiosos da cultura e da identidade, muitos deles já participantes das dinâmicas editoriais e culturais da "Présence Africaine", dirigido por Allioune Diop.
Aliás, não terá sido por acaso a criação do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, na cidade de Bissau, tendo à frente Amílcar Cabral e a criação do Movimento Popular de Libertação de Angola, na cidade de Luanda, tendo à frente Mário Pinto de Andrade, ambos no ano de 1956.
O impacto global também se fez sentir do 2º Congresso dos Escritores e Artistas Negros, realizado em Roma, a 28 de Março de 1959, ao longo do qual se desenvolveram estratégias para um terceiro evento, a realizar-se já em África, acabando por dar origem ao Festival de Dakar, conhecido por Primeiro Festival Mundial de Arte Negra, em 1966, dez anos depois do I Congresso de Escritores e Artistas negros, em que compareceram já Amílcar Cabral (já na altura a dirigir a luta anticolonial para as independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, mas também nomes como o músico de jazz Duke Ellington, o capoeirista Mestre Pastinha e a cantora brasileira Clementina de Jesus, entre outros.
Tudo isso, de há 68 anos, deu flores e frutos, resultado nas independências de vários países e na continuação da reflexão e do debate sobre o papel da cultura como património da Humanidade. Tudo isso, pode ser sintetizado na visão de Amílcar Cabral, que não esteve fisicamente presente em Paris no I Congresso de Artistas e Escritores negros, mas que estava em espírito, rezando que ¡°A libertação é um Ato de Cultura¡±.
As reivindicações culturais e reivindicações políticas alternativas ao sistema colonial se influenciavam reciprocamente - frisa, por sua vez, o historiador, José Augusto Pereira, que ilustra amplamente o contexto em que se situaram esses dois Congressos; comenta a mensagem do Papa João XXIII ao II Congresso e sublinha a importância que pode ter o estudo desses Congressos para uma resposta às problemáticas da África de hoje no domínio artístico-cultural e não só. "
Saiba mais no programa "África em Clave Cultural: personagens e eventos"
Aqui a entrevista integral com o Dr. José Augusto Pereira, investigador sobre temas de colonialismo e descolonização nos séculos XIX e XX e autor de obras sobre o PAIGC e co-autor de estudos sobre o Movimento Negro em Portugual, entre outros.
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