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Participantes na 8ª edição das Viagens de Integração Africana - Kigali Participantes na 8ª edição das Viagens de Integração Africana - Kigali 

Encontro de jovens africanos em Kigali - balanço positivo

Realizou-se de 1 a 10 de agosto de 2023, em Kigali, no Ruanda, a 8ª edição das “Viagens de Integração Africana” para jovens, tendo como pano de fundo o conceito de “Ubuntu”. É uma iniciativa da Congregação dos Assuncionistas e tem à frente o P. Jean-Paul Sagadou, que traça um balanço positivo.

Dulce Araújo - Pope

O objetivo dessas viagens é favorecer o conhecimento e a integração entre os jovens da África e da Diáspora, conhecer os países do continente, a sua história, cultura e sociedade e refletir sobre as grandes questões que dizem respeito à África de hoje e aos seus jovens. Tudo tendo como pano de fundo o conceito filosófico de “Ubuntu”.

Na edição deste ano que teve por tema "A juventude dos mundos africanos: como construir um mundo do em-comum do Ubuntu", participaram 50 jovens de uma dezena de países (Burkina-Faso, Camarões, Costa do Marfim, Gana, Quénia, Mali, Senegal Togo) e também afrodescendentes idos da França.

A edição contou com encontros com autoridades, visitas a lugares históricos, palestras e ateliers com a intervenção de dez especialistas em diversas áreas sociais.

Para o P. Sagadou, tratou-se duma edição muito positiva:

“O balanço que traçamos era muito positivo a vários níveis: a nível dos encontros com personalidades civis e políticas; e de importantes testemunhos para traçar um pouco a história do povo ruandês, de modo particular através do genocídio dos tutsis e ver como o país em cerca de trinta anos tem procurado reconstruir-se a partir do imaginário africano.

Uma outra dimensão importante foi o encontro entre os jovens vindos doutros países com os jovens ruandeses. Foi um momento extraordinário e de integração africana. Recordo que se trata de viagens de integração e o desafio é precisamente ajudar os jovens do Continente e da Diáspora a se encontrarem.

Outra coisa: procuramos também ter uma visão da História do Ruanda antes do genocídio porque é preciso que nos metamos na cabeça que a história dos nossos países não começou só com as suas dificuldades, mas há uma história anterior que é, por vezes, muito bela e que é ignorada. Então, descobrir o Ruanda dos primeiros tempos através de visita aos Museus de Etnografia e lugares como Nyanza, onde estão as origens do Ruanda, o Palácio do Rei, foi um momento particularmente importante; foi importante para os jovens descobrir como viviam no passado e tudo o que o povo ruandês foi capaz de propor à Humanidade.

Mais um outro aspeto: não é possível ir ao Ruanda e não ter em conta esse particular momento histórico que foi o genocídio. Então, a visita ao “Memorial do Genocídio dos Tutsis” foi a primeira coisa que fizemos. Foi um momento difícil para os jovens, mas felizmente fizemos com que fossem acompanhados por um historiador.

Queria ainda sublinhar que esses encontros são inter-confissionais e inter-religiosos. Mas, tivemos a sorte de ter, na cerimónia de abertura, um emissário do Arcebispo de Kigali e essa ligação com a Igreja foi, para mim, enquanto religioso assuncionista que organiza essas viagens, particularmente importante.”

Um dos momentos do encontro de Kigali
Um dos momentos do encontro de Kigali

Reação dos jovens

Acerca da reação dos jovens nesse contexto complexo de um país - Ruanda - que passou por um grave genocídio - mas que tinha um passado histórico diferente, o P. Jean Paul Sagadou diz:

“Há vários aspetos que se podem sublinhar: quisemos de propósito começar pela visita ao Memorial do Genocídio. E a reação dos jovens foi: “Como foi possível isso acontecer?” “Como é que a nossa humanidade em África e particularmente neste país pôde chegar a isso?” “E como fazer para que isso não volte a acontecer nunca mais?” Pessoalmente prestei atenção a essa dupla expressão de dor da parte dos jovens, mas ao mesmo tempo o desejo de que isso não volte nunca mais a acontecer. Dialogamos muito com eles sobre todas as questões que puseram, inclusive sobre qual foi o papel da Igreja no genocídio.

O segundo aspeto no que concerne à reação dos jovens é que fomos a outras cidades para conhecer o Ruanda dos primeiros tempos e eles diziam: “Afinal a nossa África não é apenas a que nos é apresentada frequentemente. Houve belas coisas no passado”. Por exemplo, quando visitamos o Palácio Real em Nyanza, os jovens deram-se conta de que este continente do qual se diz que não tem história, tinha, na realidade, muito a dizer ao mundo e, que talvez, como diria o historiador Joseph Kizerbo, um povo mesmo que não tenha escritura, tem uma história, pois, por todo o lado onde há seres humanos, há história. E a história do Ruanda nos seus primeiros tempos é uma história bela. Vimos a arquitetura da época e todo o simbolismo por detrás da vida desses povos.

E deste ponto de vista atingimos um dos objetivos dessas viagens de integração africana que é a dimensão histórica, quer dizer como ajudar os jovens a se conectarem com a história dos seus países sem que seja focalizado só em factos dolorosos como a escravatura e o colonialismo, mas dizer que antes de tudo isso, havia uma outra história.

Um terceiro elemento que gostaria de sublinhar é que os jovens se mostraram sensíveis ao facto de esse povo ruandês ter sido capaz de renascer, poder-se-ia dizer, das cinzas, depois de ter atravessado esse período doloroso do genocídio. Sente-se que já não é questão de tutsis ou hútus, mas de povo ruandês, de povo africano. Os jovens foram, portanto, sensíveis a isso, ou seja, a essa capacidade de resiliência dum povo que sofreu enormemente e que trabalhou para se reconstruir. Não está ainda concluído, talvez não seja numa geração que as feridas vão se cicatrizar, mas notei que no espírito dos jovens isso significa que é possível a África levantar-se mesmo quando se passou, diria, o inferno; é possível renascer quando se tem a capacidade de ver as coisas doutra forma e trabalhar para a reconstrução.”

Dança ruandesa
Dança ruandesa

Ubuntu

E o conceito de Ubuntu, pano de fundo do encontro, pode ser útil para a reconstrução do novo Ruanda...

“Isso foi muito forte. Parece-me que essa 8ª edição foi uma ocasião para os jovens compreenderem realmente o que é esta noção, este pensamento dos povos bantu, difuso entre vários povos da África e que pode ser oferecido ao resto do mundo hoje. Encarnou-se nas pessoas que encontramos. Foi, portanto, muito forte esse conceito que, aliás, aplicamos nos nossos ateliers sobre empresariado. Houve muitas intervenções sobre isso. Compreenderam que não se trata só dum conceito filosófico/ético, mas que se encarna muito bem na realidade, na vida quotidiana. Então, no fundo, esta 8ª edição terá permitido aos jovens perceber os valores que encarna o conceito de ubuntu: colaboração, cooperação, resiliência, compaixão, capacidade de trabalhar juntos, de construir e construir juntos. Para mim foi particularmente importante em termos de transmissão destes valores aos jovens, e a África precisa disso para se reconstruir. Eu acredito, espero, que o amanhã será sem dúvida melhor que o ontem.”

Pan-africanismo

Pode-se dizer que é um novo pan-africanismo dos jovens

“É aquilo que muitos chamam de pan-africanismo dos jovens, um pan-africanismo que não é trazido apenas por movimento de ativistas, mas que é algo mais profundo, concreto que jovens como os que participaram nas viagens de integração podem realmente encarnar. Creio que eles compreenderam que no fundo o Ubuntu é uma forma magnífica de pan-africanismo a redescobrir hoje e que não tem nada a ver com ideologias que querem construir a África fechando-se ao resto do mundo, antes pelo contrário, permanece muito aberto e que ninguém pode progredir sozinho. Aliás, é este o significado de Ubuntu: “eu sou, porque nós somos”. Não é uma questão de cor da pele, de etnia, tribo, não, vai para além de todas essas categorias e fechamentos para se abrir ao resto do mundo. Pessoalmente, fiquei com a impressão de que através dos jovens se pode trabalhar no sentido de levar algo ao resto do mundo. Precisamos de descobrir a África, de o amar, de o conhecer, de nos enraizar no continente para nos abrirmos ao resto do mundo. Não fechar. É preciso abrir-se. Acho, portanto, que [Ubuntu] é um conceito frutuoso não só para a África, mas para toda a Humanidade.”

Oiça aqui as suas palavras em francês

País e tema da próxima edição  

Quanto ao país onde se realizará a próxima edição das viagens de integração, o Padre Jean-Paul Sagadou explica que os jovens apontaram vários países como o Egipto, os Camarões ou mesmo o Madagáscar, mas ainda é cedo para determinar qual será. De momento estão ainda a aprofundar a avaliação desta edição de Kigali e a reflectir sobre qual será o tema. 

P. Jean-Paul Sagadou
P. Jean-Paul Sagadou

Religioso da Congregação dos Agostinianos da Assunção, o P. Jean-Paulo Sagadou é natural do Burkina-Faso, mas vive há atualmente em Abidjan, onde trabalha na filial África do “Grupo Bayard Press”. Mas é também um apaixonado por questões relacionadas com o pan-africanismo, integração africana, diálogo inter-religioso e intercultural. Questões que enfrenta sobretudo com a juventude africana, pois considera que precisam de ser formados, tendo em conta a diversidade cultural e religiosa.

 

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02 setembro 2023, 17:57