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Amílcar Cabral Amílcar Cabral  

Aos cinquenta anos do assassinato de Amílcar Cabral

Neste momento em que o mundo assinala o Quinquagésimo Aniversário da morte de Amílcar Cabral, líder da luta de libertação do regime colonial da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, e se prepara para celebrar, em 2024, o Centenário do seu nascimento, inúmeras são as iniciativas para rememorar a sua vida e obra, assim como aquelas para reconhecer a transcendência histórica do seu extraordinário legado. Reproduzimos aqui uma crónica de Filinto Elísio que ilustra quem era em lato senso, Amílcar Cabral.

Ele foi dos principais teóricos da luta pela independência de Guiné Bissau e Cabo Verde, então colónias portuguesas, assassinado a 20 de janeiro de 1973. Ele está posicionado entre os grandes nomes da luta nacionalista africana e recentemente considerada por uma pesquisa da "BBC World Histories Magazine", em parceria com a Universidade de Oxford, como o segundo maior líder da História.

Nascido na Guiné-Bissau, em 1924, filho de pais cabo-verdianos, Cabral foi escritor e engenheiro agrónomo, com formação no Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa, Portugal.

Líder do movimento de libertação anticolonial, tendo sido, em 1956, o principal fundador e doravante secretário-geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), teve enorme notoriedade mundial e conseguiu desencadear um bem-sucedido processo de luta armada de libertação nacional, em 1963, nas matas da então Guiné Portuguesa que culmina com cinco factos encadeados, nomeadamente o assassinato de Amílcar Cabral na cidade de Conacri em janeiro de 1973, a independência unilateral da República da Guiné-Bissau em setembro de 1973, a restauração do regime democrático em Portugal em abril de 1974, o reconhecimento da independência da República da Guiné-Bissau por Portugal em novembro de 1974 e a independência da República de Cabo Verde em 1975.

Entrementes, apesar de muitos estudos e pesquisas, assim como publicações, em torno da figura de Amílcar Cabral, realçando diversas facetas desse líder histórico, especialmente como teorizador, líder político, negociador internacional, agrónomo, ativista cultural e poeta, pressente-se faltar uma abordagem mais focada no seu papel que se reputa relevante como Homem de Cultura e portador de uma perspetiva pedagógica que terá sido determinante para o processo de libertação anticolonial e pós-colonial por ele desencadeado.

Amílcar Cabral elaborou uma obra valiosa que transcende o fim do colonialismo, fornecendo para os estudiosos instrumentos de análise, conceitos, valores e problemáticas que permanecem válidos no contexto pós-colonial contemporâneo. A obra de Cabral, nos vários domínios, sobressaindo a da Cultura, implicando revisitar não apenas em mergulho retrospetivo para se inferir a evolução da luta de libertação, o desencadear do processo democrático em Portugal e a consolidação das soberanias nos primeiros anos das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, mas na busca de alternativas presentes ao desafio do desenvolvimento e da afirmação do Estado de Direito Democrático destes países, assim como a questão prospetiva de inventar um futuro, de produzir a História, de criar, como Amílcar Cabral dizia, “uma outra terra na nossa terra”, frase antes usada pelo poeta cabo-verdiano Aguinaldo Fonseca. Esta premissa permite que se perspetive a obra de Cabral maior abrangência e transcendência.

Efetivamente, o itinerário político e intelectual de Amílcar Cabral, que não se resume ao seu pensamento estruturado no questionamento do colonialismo português em África, à luta de libertação em prol das independências da Guiné Bissau e de Cabo Verde ou mesmo à pedagogia global da libertação dos povos, datado no século XX, sobrevive ao seu tempo histórico e desafia a fixá-lo no campo da História Universal como um dos grandes Pensadores e Líderes conhecidos.

Hoje, 50 anos sobre o seu assassinato, precisam ser estudados e analisados a sua vida e obra, com novas perspetivas que incidam olhares na transcendência que o seu legado, tanto na sua dimensão do passado como na sua ressonância válida ainda no presente, se mantêm com evidenciada dimensão do futuro.

Os estudos sobre Amílcar Cabral, levados a cabo em várias universidades e centros de saber ao redor do mundo, e por eminentes investigadores, ressaltam na sua complexa biografia não só os traços comuns dos ‘históricos e utópicos’ ou os traços distintivos de líder, de estratega, de pedagogo e de diplomata, numa significativa fatia do século XX, mas as suas estratégias políticas e culturais inovadoras e estruturantes para os afrontamentos políticos.

Amílcar Cabral deve ser visto, numa perceção mais justa, sobretudo como um Homem de Cultura e Humanista, além, muito além do criador e líder do PAIGC e do Pan-africanista que foi. Muito para além do líder que projetou e realizou a maior luta de libertação dos povos no século XX.

Homem de Cultura, porquanto olhava a luta emancipatória dos povos como um Ato de Cultura, exigindo dos oprimidos a tomada de consciência de si e do outro, e a avaliação crítica consequente sobre os mecanismos de dominação cultural como pilastras das dominações políticas sociais e económicas.

E Humanista, porquanto nunca ter assumido a libertação, mesmo em face do necessário enfrentamento armado contra o Colonialismo, como um ato de barbárie e de tragédia humana, mas como um processo de libertação tanto do oprimido, como do opressor, reconfigurando a visão de uma guerra que, na prática, conduziu à independência da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e das demais colónias portuguesas em África, como desencadeou o 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, que ditou o fim do regime fascista e colonial, restaurando as liberdades democráticas em Portugal.

De Cabral, esta premissa lapidar: “Os nossos povos, que fazem a distinção entre o governo colonial fascista e o povo de Portugal, não lutam nem querem lutar contra o povo português. Lutamos e lutaremos até a vitória final contra os colonialistas portugueses. No entanto, a situação objetiva das grandes massas populares de Portugal, oprimidas e exploradas pelas classes dirigentes de seu país deve lhes fazer compreender as grandes vantagens que, para elas, decorrerão da vitória dos povos africanos sobre o colonialismo português”. Um Humanismo que terá deixado sementes para a formulação nos países soberanos de afrontamentos doravante da democracia e do desenvolvimento.

Amílcar Cabral ressoa, 50 anos depois do seu desaparecimento, como uma figura inconformista e redentora, na qual residia toda a esperança de uma Humanidade mais partilhada e de um Mundo melhor possível para todos.

O legado de Amílcar Cabral interpela-nos aos desafios da ética contemporânea, como propôs o sociólogo cabo-verdiano Carlos Lopes, e à produção de novas inteligibilidades para a Humanidade, preconizada pelo historiador cabo-verdiano António Correia e Silva.

Filinto Elísio - Poeta, ensaísta, editor (Rosa de Porcelana Editora) 

Lisboa 19-1-2023

 

 

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20 janeiro 2023, 16:18