Criar harmonia entre agricultores e criadores de gado no Sahel
Dulce Araújo - Cidade do Vaticano
Está a decorrer em Saly Portudal, no Senegal, um encontro de avaliação do Projecto Regional de Apoio à Pastorícia na Região do Sahel. Iniciado no dia 8, o encontro vai até ao dia 17, e reúne 16 pessoas dos seis países envolvidos no projecto: Burkina-Faso, Chade, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal. Lançado em 2015, este projecto do CILSS, Comité Inter-Estatal de Luta contra a Seca no Sahel, tem a duração de seis anos, e envolve diversos parceiros, entre os quais o Banco Mundial, a CEDEAO, a UEMOA, organismos profissionais de criadores de gado, etc.
Factor económico e de intercâmbio entre comunidades
Um dos membros do projecto é Regina Bandé, do Burkina-Faso, perita em comunicação. Ela esteve na Rádio Vaticano a 20 de Março findo, aquando duma sua vinda a Roma para uma reunião, na FAO, com Acting For Life, um dos parceiros do CILSS. Esse encontro na FAO vinha na sequencia de um atelier no mês anterior com 15 jornalistas dos países costeiros e sahelianos com vista na sensibilização das pessoas acerca da transumância. Para isso foi criado - explicou-nos Regina Bandé - uma plataforma web para e advocacia e ligação entre decisores e beneficiários. Tudo com o objectivo de mudar o olhar das pessoas sobre a pastorícia na região do Sahel. Calcula-se que 30 a 40% da economia dos países da região esteja ligada à pastorícia, mas não faltam conflitos entre agriculturas e criadores de gado, sobretudo nos períodos da transumância. Isto devido a vários preconceitos que os jornalistas podem ajudar a dissipar. Daí que o encontro na FAO tenha sido na perspectiva de ¡°Medias para o desenvolvimento¡± e não para reforçar conflitos.
¡°Quando se fala de pastorícia, o desafio é a transumância, sem a qual não há pastorícia. Parte-se de um ponto A para um ponto B no Sahel, área confrontada com a seca, crise da pastorícia, pluviometria muito reduzida. Isto leva a movimento de animais do coração do Sahel para os países costeiros, onde há ainda recursos em água e pastagem. Mas quando se faz a travessia, os corredores da transumância estão muitas vezes ocupados por campos agrícolas, porque muitos agricultores cultivam onde não deveriam. E pode haver destruição dos campos pelo gado quando passa. Isto gera conflitos e as pessoas pensam que a transumância é uma coisa negativa, quando na realidade contribui também para preservar o ambiente. Há sementes que só nascem quando são fertilizados pela passagem do gado. Além disso, a transumância contribui para as economias dos países por onde passa.Os países costeiros acham que é preciso sedentarizar a criação de gado. Mas isto não é uma alternativa viável porque levaria à redução dos intercâmbios entre as comunidades. Consideramos que é melhor revalorizar a pastorícia. O desafio hoje é que as pessoas tendem a estabelecer uma ligação entre o movimento de pastores de animais para a transumância ao terrorismo e à insegurança, o que não é sempre verdade ou não é real. Não se pode dizer que por ser ¡°peul¡± é ele que está na origem da insegurança, do terrorismo. Há também populações locais que se dão a determinadas actividades e depois tudo é atribuído aos criadores de gado. Com o trabalho que fazemos, dizemos que há demasiados preconceitos negativos . É preciso talvez positivar e repensar a pastorícia para a tornar mais viável e fazer com que as pessoas compreendam as interdependências que caracterizam estas actividades".
Dimensão dos conflitos
Há, portanto, conflitos entre pastores e agricultores na região do Sahel. Mas qual é a dimensão desses conflitos?
¡°Sim, nos últimos anos houve vários conflitos entre agricultores e criadores de gado. Por vezes, é devido à manipulação da informação ou à má informação. Na Costa do Marfim há um ano ou dois, houve, por ex. na região nortenha de Buna, conflitos que provocaram mortes. Deploramos essa situação. Consideramos que é preciso trabalhar na humanização. As actividades que fazemos vão neste sentido. Mostrar que todos podem beneficiar da transumância, que não é só o pastor, mas todas as comunidades. Achamos que é realmente preciso trabalhar na minimização desses conflitos. E já desenvolvemos instrumentos para isso. Quando se empreende uma acção, verificar antes se vai favorecer realmente as populações ou se vai fragiliza-las. É a chamada engenharia social, isto é, hoje não se pode fazer nada sem envolver as comunidades. O projecto é financiado pelo BM e quando não há segurança social e ambiental o BM não se implica. Mas isto não quer dizer que estamos cobertos a 100%. Há sempre conflitos. A nossa visão, porém, é a de fazer compreender às pessoas que a pastorícia é uma actividade que favorece todos os países, tanto da costa como do interior do Sahel. E não podemos ignorar o aspecto da integração regional, a CEDEAO tem um texto sobre a pastorícia, sobre a transumância, mas a sua actuação nos países é problemático. Por vezes as pessoas dizem: foram os Estados que assinaram, não fomos nós, ou então consideram que são os pastores que os invadem, que se aproveitam das suas infra-estruturas e há zonas onde lhes impedem mesmo o acesso a poços pastorícios. Então, como está a ver, é um trabalho a longo prazo, é necessário sensibilizar permanentemente. Por isso queremos servir-nos dos media para ver como podem acompanhar as comunidades nas zonas transfronteiriças e mesmo centrais para que as pessoas mudem a visão das coisas. É muito importante isto! Enquanto não se mudar de óculos para ver como viver em complementaridade, será difícil. Um dos nossos desafios é fazer com que haja uma transumância tranquila, de dialogo transfronteiriço; edificamos mecanismos de concertação entre este e aquele país que se encontram no mesmo corredor de transumância, a fim de que procurem dialogar para enfrentar os desafios. Mas é um trabalho a longo prazo¡±.
Convivencia não obstante a escassez de água e pastagem
Mas dada a escassez de recursos hídricos e de pastagem na região do Sahel, acredita realmente que pastores e agricultores possam conviver na região?
¡°Sim, é possível. Quando o projecto sobre a pastorícia surgiu, os países costeiros se lamentavam porque era um projecto para os países sahelianos que, durante a transumância se deslocam para as suas áreas. Então, alguns parceiros criaram um outro projecto para facilitar o dialogo entre os países do Sahel e os costeiros. E nós somos da opinião de que quanto mais dialogarem, mais poderão compreender a realidade. Temos também um grande evento anual de alto nível com vista na transumância tranquila entre países do Sahel. É um evento em que os Ministros da Agricultura e da Transumância se encontram para dialogar.¡±
Avaliação do Projecto
O Projecto do CILLS para uma transumância tranquila e de harmonia entre criadores de gado e agricultores no Sahel, surgiu em 2015. Dura seis anos, e já vai a meio caminho. Daí o encontro de avaliação que está a decorrer de 8 a 17 deste mês em Saly Portudal, no Senegal, e em que Regina Bandé está a participar. Mas já quando esteve em Roma em Março passado, considerava que há motivos de satisfação:
¡°Há motivos de satisfação, mas como disse é um processo a longo prazo. Consideramos que um dos frutos já conseguidos é ver que há já uma certa mudança de mentalidade. Eu vou muito ao terreno na Mauritânia, Senegal, Chade, Níger, Burkina-Faso e mesmo no Mali, e falamos muito com os beneficiários ¨C é um projecto que põe no centro os beneficiários ¨C alguns dizem: não tinha compreendido a importância de vacinar o meu gado. Agora sei que fazendo isto protejo-o e protejo também a minha actividade económica. São motivos de satisfação. Temos também actividades geradoras de recursos para algumas mulheres e jovens que são pilares na família. Temos também poços para os pastores. Vamos construir mercados de gado com infra-estruturas adequadas ¨C alguns construir já foram mesmo iniciados. Achamos que isto vai contribuir para melhorar as condições de vida das populações para as quais trabalhamos.¡±
Papel dos media
Do projecto em questão fazem parte seis países do Sahel, membros do CILSS, organismo criado em 1973 para fazer face à seca no Sahel. Dele fazem parte também Cabo Verde e Guiné-Bissau- Não estão, todavia, integrados no projecto da transumância, mas sim noutros projectos do CILSS relacionados com a agricultura e o ambiente ¨C explicou Regina Bandé. Na conversa com esta cidadã do Burkina-Faso, integrada no projecto da Pastorícia na qualidade de perita em comunicação, perguntamos-lhe como vê o pepel dos jornalistas e dos media na relação entre agricultores e criadores de gado e qual pode ser o papel da Radio Vaticano.
¡°Bem, visto que não vou falar só do projecto da Pastorícia, mas também do CILSS, devo dizer que quando tomamos em consideração a agricultura, há novas tecnologias. Os media podem contribuir para difundir os resultados da procura de novas tecnologias. Podem também ir para junto das populações ver as suas necessidades e quais podem ser as soluções. Isto é um desafio: dar a palavra aos beneficiários através de emissões e fazer chegar as suas preocupações aos técnicos. Valorizar os saberes endógenos, porque não haverá desenvolvimento se excluirmos o que as pessoas sabem fazer. Penso que o jornalista do desenvolvimento é aquele que sabe ouvir as pessoas no terreno e fazer chegar as suas ansiedades ao nível mais alto. E também saber usar o meio de comunicação e a linguagem adequada ao beneficiário. Quanto à RV, com as vossas rubricas sobre a saúde, politica, cultura, ofereceis uma informação que é necessária. É preciso talvez actualizá-la sempre, ter em conta as necessidades das pessoas. Como fazer para viver à luz da Igreja no quotidiano? Acho que são desafios que a RV pode ajudar a resolver. Não se pode fazer tudo, mas com a fé e com uma ampla e frequente mensagem, poderemos, com a graça de Deus, mudar o mundo.¡±
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