Relação entre Liturgia e Sinodalidade
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
“O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milênio”: esse é o empenho programático proposto pelo Papa Francisco na (São Paulo VI, ndr). De fato, a sinodalidade – ressaltou ele – “é dimensão constitutiva da Igreja”, de modo que “aquilo que o Senhor nos pede, em certo sentido, já está tudo contido na palavra ‘sínodo’”. ().
No decurso do seu 9º quinquênio, a Comissão Teológica Internacional conduziu um estudo sobre a sinodalidade na vida e na missão da Igreja. Somado ao contexto do Sínodo em andamento no Vaticano que tem por tema “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, padre Gerson Schmidt* nos traz hoje uma reflexão sobre a relação entre liturgia e sinodalidade":
"A relação entre Liturgia e sinodalidade [1] está manifestada de forma clara na ", que impacta de modo significativo a vida da Igreja e a manifesta como um corpo sinodal, ou seja, uma assembleia do Povo de Deus unida e vocacionada a caminhar juntos e não de maneira isolada sem unidade.
A Imagem da Igreja como Povo de Deus, Corpo Místico de Cristo, edifício de Deus, descrito também na Constituição também conota essa caminhada conjunta, não isolada, cada qual querendo salvar a sua alma, como expressou o cardeal Odilo Scherer em entrevista recente a esse programa Brasileiro. Scherer dizia, nessa entrevista última, que a caminhada sinodal é “o momento da Igreja tomar consciência de que a Igreja não é apenas clerical, não é uma instituição do clero, pois ela não depende apenas do Papa e dos bispos, mas ela é o povo de Deus, de todos os batizados, esse povo de vocacionados, chamados pela graça de Deus a serem parte desse povo. É uma mudança digamos de impostação, de percepção da Igreja. As verdades da Igreja não é que vão mudar. Isso ninguém ponha dúvidas e ninguém espere que vai haver mudanças dogmáticas, doutrinárias sobre a Igreja. Mas o que se vai fazer é de novo trazer a luz e eu diria refrescar a memória sobre questões da Igreja que já estavam sendo um pouco esquecidas, e que estão lá já no início da vida da Igreja, no Novo Testamento, inclusive nos ensinamentos de Jesus”.
Ao relacionar a sinodalidade e a liturgia, é importante lembrar que a liturgia, embora não abranja todas as atividades da Igreja, é o objetivo final e a fonte primordial de toda a vida eclesial, como está afirmado na Sacrosanctum Concilium[2]. Ela serve como o lugar apropriado para revelar, por meio de ritos e orações, o mistério de Cristo e a natureza da Igreja, ou seja, o próprio mistério da Igreja. Assim, na ação litúrgica, ocorre a manifestação da Igreja com sua dinâmica intrínseca. Dado que a sinodalidade, conforme destacado pelo Papa Francisco, deve ser uma parte contínua da jornada da Igreja, surge a questão de como a liturgia se desenvolve e promove um modo sinodal de ser Igreja. Ser sinodal, caminhar juntos, torna-se um estilo constante do ser Igreja, não cada qual isoladamente, mas em unidade na comunidade e vida eclesial.
SÍN/ODO[3] LIT/URGIA[4]
Caminhar juntos Obra de Deus para o seu povo
Importante tornar esses dois termos gregos em linguagem mais acessível, para compreensão popular clara, sobretudo na escuta radiofônica. “Sínodo” é palavra antiga e veneranda na Tradição da Igreja, cujo significado recorda os conteúdos mais profundos da Revelação. Composta pela preposição σύν, com, e pelo substantivo ὁδός, via, indica o caminho feito conjuntamente pelo povo de Deus. A tradução etimológica da palavra Sínodo, portanto, é “CAMINHAR JUNTOS”. Remete, portanto, ao Senhor Jesus, que apresenta a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), e ao fato de que os cristãos, em sua sequela, são originariamente chamados “os discípulos do caminho” (At 9,2; 19,9.23; 22,4; 24,14.22).
No grego eclesiástico, exprime o ser convocados em assembleia dos discípulos de Jesus e, em alguns casos, é sinônimo da comunidade eclesial. São João Crisóstomo, por exemplo, escreve que Igreja é “nome que indica caminhar juntos (σύνoδος)”. De fato, a Igreja – explica – é a assembleia convocada para dar graças e louvores a Deus como um coro, uma realidade harmônica onde tudo se mantém unido (σύστημα), pois aqueles que a compõem, mediante as suas recíprocas e ordenadas relações, convergem na ἀγάπη e na ὁμόνοια (o mesmo sentir). (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, 2018, n. 3).
A principal manifestação da Igreja, de modo especial da Igreja particular, acontece na participação ativa de todo o povo de Deus nas celebrações litúrgicas, e de modo muito especial na Eucaristia: na unidade da oração, ao redor de um único altar (Cristo), presidida pelo bispo, rodeado de seu presbitério e de seus ministros [5]. Assim, a principal manifestação da totalidade da Igreja (católica) é uma grande concelebração, sob a presidência daquele que presida à comunhão universal na caridade, o bispo de Roma. A Eucaristia é sempre celebrada na comunhão, com o Papa e todos os bispos , como vemos de modo especial nas Preces Eucarísticas. Portanto, a Igreja nasce e renasce em cada Eucaristia como sínodo, corpo de Cristo “caminho”, para que na comunhão, Ele seja tudo em todos, como vem manifestado na Doxologia – ou seja, na forma litúrgica de louvor [6]. O encontro eucarístico (assembleia reunida, reunião da comunidade) é a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão. É na liturgia que se exprime a sinodalidade na vida cristã e na missão da Igreja (, n. 109).
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Baseado em Subsídio oferecido por Pe. Luciano Massulo ao clero da Arquidiocese de Porto Alegre em setembro/23 e em Affectus Sinodalis.
[2]SC 9-10.
[3] Palavra grega que significa “caminhada em conjunto”.
[4] Palavra grega que vem de leitourgos, é traduzida por “Ação do Povo”.
[5] SC 41.
[6] A reunião eucarística é a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão. Nela, exprimem-se os elementos específicos da vida cristã chamados a plasmar o affectus sinodalis (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 109).
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